À noite nos transportes tudo é
diferente… Vemos o metro mais vazio, o que nos permite contrastar as cores das
carruagens. Vemos as pessoas mais apagadas, o que nos permite pensar que o dia
foi estafante. Vemos a lua pela janela dos autocarros e imaginamos…
Imaginamos a vida bela, as
utopias, o futuro. Aquelas condições de êxito que não nos não dão êxito porque
não o são, mas que nos transportam para outro mundo. O mundo onde toda a gente
é feliz, contente e onde existe justiça. À noite, a nossa imaginação vibra com
os momentos de silêncio…
À noite o silêncio transforma-se
em música, permitindo que grafemos, que desabafemos que nos libertemos. À noite
a música, ela própria, leva-nos para outro patamar. Eleva-nos para o telos humano, o telos cristão, o telos da
vida.
O patamar… O patamar das óperas
onde a espinha nos arrepia por tão bela melodia soar; o patamar dos concertos
onde a nossa mão fica no ar perentoriamente… tudo isto à noite faz parte do
patamar da vida.
E a vida? À Noite, pode ser
vivida sozinha?
À noite a solidão custa, as
borboletas na barriga moem e o choro regressa. À noite não há uma grande forma
de consolo. À noite, numa primeira fase somos nós e nós e numa segunda somos
nós e eles. Quando deixamos de ser crianças o nós e nós passa a nós e eles,
porque, eminentemente, perentoriamente perdemos a ignorância, ganhando mais e
mais saber.
O nós e eles, à noite, em
qualquer lugar, é tão diferente do nós e nós, o que nos permite crescer,
inovar, ir à ópera ou a concertos e elevarmo-nos a outro patamar.
Mas… Mas eu não gosto da noite. A
noite é escura e à noite não há movimento, stress,
sol, luz!
À noite que posso eu fazer?
Caminhar para casa, ouvindo o arrasto dos pés de cada vez mais pessoas que
estão cansadas e adormecem nos transportes? Fechar os olhos e utopiar,
sonorizar o impossível? Grafar? Eu sou um animal da manhã, assim cresci, assim
me fiz. Porém, admito que tenho medo… parece que nada vive sem a noite e penso
que perderei tudo se nada fizer. Porquê?
É neste pensamento do porquê que
me vêm lágrimas aos olhos, porque mais uma vez, por mais condições de êxito que
eu tenha, não o alcanço porque não o tenho (o êxito). Quero gritar e pensar no
que posso fazer, na companhia do nós somente. Não no nós e nós da infância e do
nós e eles do resto da vida. No nós, no nós complexo e retorcido como à noite
se veem nos nós dos barcos atracados nos pontões, à espera que, na manhã
seguinte o motor volte a ser ligado e que eles naveguem até ao quase infinito!
Sem comentários:
Enviar um comentário