Estava eu a terminar o meu primeiro ano da Faculdade, quando a minha prezada Comissão de Praxe propôs aos alunos do aclamados 1.º ano escrever uma carta para estes serem ilibados das acusações proferidas no Tribunal de Praxe, mítico para o nosso curso, onde todos os anos, ao que parece, vai parar uma cabeça de um santo e pobre suíno dentro do Lago do Campo Grande, isto é, segundo histórias que se contam, pois não estive presente na penúltima dita cerimónia enquanto caloiro da minha licenciatura.
Não pude lá estar naquela 5.ª feira à noite, mas também não podia deixar de cumprir o meu dever, ou seja, escrever a mítica carta que, ao que parece muitos "caloiros" têm de redigir.
Numa noite fria e chuvosa de abril, pesquisei e grafei o seguinte:
"A praxe nasceu antes do século
XVIII, em Coimbra. Tem sido ao longo dos tempos alvo de recuos e avanços;
inclusive, nos últimos anos da década de 2000 levaram a que o Exmo. Sr.
Ministro do Ensino Superior, Tecnologia e Ciência viesse abordar as instituições
de Ensino Superior, tentando mais uma vez que estas fossem abolidas.
Pensando no sentido histórico da
palavra praxe, esta deriva do grego prãxis
significando ação e ainda, noutra variante do latim, como prefixo, praxe-, que simboliza prática. Assim,
pode-se concluir que a praxe nas suas origens linguísticas está de acordo com
os princípios dos inúmeros Regulamentos de Praxe existentes no nosso país:
ações de integração, criação de hábitos, rotinas, amizades, etc.
Como já é dito por inúmeros provérbios
populares, do qual se destaca um: “A mente de um sábio não é perturbada pela
honra ou pelo abuso”, os trajados, praxantes de direito, são considerados
sábios, ao contrário dos caloiros que, por ser novos, baixos, sem conhecimento,
fracos, por nada sentem-se abusados, o que faz com que, existam dois desfechos:
ou crescem e fazem uma seleção do bom e do mau, com a ajuda das praxes ou
então, tentam evitá-las sempre que possível, uma vez que se começaram a
desenvolver o intelecto noutras direções.
Tudo isto já se passava no tempo
de El-Rei D. João V que comenta as praxes da seguinte forma: “Hey por bem e
mando que todo e qualquer estudante que por obra ou palavra ofender a outro com
o pretexto de novato, ainda que seja levemente, lhe sejam riscados os cursos”.
Será que é válido este ponto de vista? Ou os tempos mudaram? Há que ligar as
duas questões para se obter a resposta, isto é, a praxe é saudável e integra,
quando não existem obras de caráter menos benévolos em primeiro lugar.
Colocando um pouco de parte a
parte histórica da praxe, focando assim a relação destas com a minha pessoa na
Licenciatura em Ciências da Saúde, levaram a que ocorresse um crescimento
mental em mim, o que me cabe agradecer à minha madrinha e a todas as outras pseudo-madrinhas
que me têm vindo a acarinhar ao longo do ano que passou. Quanto à minha
presença física e participação nas tradicionais atividades, de todos os
acontecimentos, reconheço que a minha presença poderia/deveria ter sido maior,
no entanto, valores mais altos se impuseram, como trabalhos de voluntariado e
problemas familiares que tenho tido ao longo deste ano letivo, ou ainda
coincidência das atividades de praxe com períodos letivos.
De todas as acusações possíveis,
tenho consciência que deverão ter fundamento e são válidas, mas, tendo direito
a defesa, cabe-me dizer que se me fosse possível ter apresentado mais aos
momentos de praxe, tê-lo-ia feito, que como já referi anteriormente, a praxe
deu-me ensinamentos e fez-me crescer em muitos níveis, no entanto, por muito
que quisesse não consigo coloca-la acima da família e de outras organizações
institucionais onde detenho algumas responsabilidades.
Terminando, há ainda a considerar
a possibilidade ou não do reconhecimento pela Prezada Comissão de Praxe pelo
marcante e relevante Traje Académico. Neste ponto, considero que sou das
pessoas que mais honra o curso onde está, não só pelo trabalho que desenvolve
com os colegas e docentes, mas também pelo espírito de mínima liderança que
consigo criar, já assumido pelo Excelentíssimo Dux desde o início do ano letivo
que agora termina. Dessa forma, balançando a presença nas praxes, com as
impossibilidades que me fizeram não estar presente e com tudo o que está
descrito anteriormente na presente carta, se me é permitido, peço à Comissão
que me seja reconhecido o uso de Traje Académico.
Sem mais de momento, apresento os
meus melhores cumprimentos, também pessoais"
E bem, o facto é que no dia seguinte foi o nosso enterro e eu lá estive, brincando com água salgada proveniente o poluído Rio Tejo, onde este se conflui com o tom azulado com o Oceano Atlântico, mas não posso deixar de dizer que foi uma honra ter sido "enterrado" pela entidade suprema da Praxe da minha Licenciatura, o DUX, e além do mais ter tido duas viagens de comboio por uma linha onde eu nunca tinha andado, mas sempre ambicionei, a Linha de Cascais. E agora, como será o próximo ano letivo?