segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Uma nova vida em Londres - Tudo em Si

Bem, chegou ao fim mais uma história do Dupé publicada neste blog. Mais uma vez, a última parte não é publicada. Num futuro próximo poderão ter uma resposta mais efectiva quanto à parte final e também quanto à parte inicial desta história. Esperar para ver.


No entanto dou algumas pistas:

 - A última parte chama-se: "A água é o sangue da vida"
 - A música de fundo está relacionada com esta última parte.


Bem, já disse muito. Divirtam-se :)

Sempre mais que vinte (LI) - Uma nova vida em Londres

Carlos pegou na sua folha de papel pautado e limpou as lágrimas. Depois foi à casa-de-banho e, com água das rosas, ajustou e pensou retirar tudo o que estava a mais de lágrimas sobrantes e limpar alguma impureza que tal primeiro papel lhe tinha depositado.

Ele, depois disso, continuou a arrumar as malas. Começou a encaixotar os cadernos, os livros, as lâmpadas, os cartões de telemóvel que ele tinha em excesso e a caixinha sentimental onde ele guardava os textos que mais gostava. É de esperar que Carlos se mantenha com a caixinha durante muitos, muitos anos. Naquele momento pegou num deles e começou a lê-lo:

Sempre mais que vinte, mas menos de trinta. O facto é que menos de vinte é pouco e mais de trinta é muito. Estava tudo na proporção ideal. Parece que três anos não são muito, mas convertendo tais anos em dias, temos por volta de mil e noventa e cinco. Tantos dias que me fizeram pensar em vocês, achar que estavam bem, que não o estavam. O que mais precisavam, o que era preciso fazer? Muitas foram as conversas, as chatices e as reprimendas. Muitos foram os nãos, os agoiros e as dedicações indirectas. Mas, o importante é que era tudo para vocês. Nada era directo, não fosse eu o senhor mistério, que primeiro que se decifre algo meu, leva-se tempo e tempo e tempo. Não muito para os mais experientes, mas para quem não estava habituado torna-se complicado tal tempo ser pequeno. Acontece o descrédito do desafio, ou ainda, a pouca vontade em descobrir a segunda fase do mistério, mas tudo isso tem uma resposta: paciência.

Sem ela a vida era como a de um animal não racional, e ainda nos questionaríamos mais porque é que pensávamos. Se pensamos também temos a capacidade de sermos pacientes. E se somos pacientes temos a chave para o futuro rápido e com menos dos muitos obstáculos da vida.

A seguir o que vem, é a dispersão. Uma dispersão que é importante para o crescimento, para a vida, para nos tornarmos adultos, homens e mulheres feitas, e de preferência com cabeça.

A espera ainda é muita, faltam duas a quatro provas por aluno para pensarmos onde vamos marcar a bolinha em tal site de internet ou em tal papel de candidatura, mas uma resposta é certa, vamos acabar o Ensino Secundário e, para mais de 90% de nós, tal facto significa sair do nosso concelho apanhar mais transportes, acordar mais cedo. Se é fácil ou não, a resposta será dada por vocês, não por mim e nunca agora.

Todas as memórias são impossíveis de apagar da massa cinzenta à qual chamamos cérebro, e ainda acrescento que, além das memórias, o sorriso, a boa disposição e, a força de vontade serão sempre características que deverão manter.

Um grande abraço do vosso Delegado de Turma.

O choro de Carlos parou depois da leitura deste texto e começaram ainda mais memórias a surgir. Os desafios a Roberta, a paisagem magnífica que ele tinha num dos quadros do quarto, que com um símbolo de céu azul, contrastava sempre com o carregado da janela ao lado. Algo se pensava que aí vinha, quando a campainha toca e, a chuva pára.

Pumpum... Pumpum... Pumpum... (L) - Uma nova vida em Londres

A noite é passada na cama a escrever até certa altura, quando o sono era tanto e a mão já não seguia uma linha recta. Não existia limite para a imaginação naquela altura, Carlos tinha entrado no mundo dos sonhos, onde tudo é possível e nada é impermitido. Até novas palavras e novo vocabulário é válido, velhas tendências de moda, novos comportamentos, velhos hábitos; tudo, mas mesmo tudo é válido, passível de existir e fácil de alcançar.

O sono foi breve. O despertador tocou e ele levantou-se. Sem rabugice, com vontade de viver mais um dia, igual a tantos outros, mas completamente diferente dos sonhos que ele tinha, onde, uma vez mais, tudo era fácil.

Carlos entrou na banheira e começou a pensar como é que podia ver realizados tais sonhos com tanta dedicação que ele tinha para tais assuntos. Não foi fácil. Mas passou tal questão. A mente tinha ficado mais limpa e menos carrrancuda naquele assunto com a passagem da água e dos sais pelo corpo dele. Espremia uma borbulha aqui, coçava outra borbulha acolá (ainda por causa de ter estado na terra junto à estação) e, ao sair do banho, vestiu-se de forma formal, com a bata branca na mão e foi de transportes para o hospital onde trabalhava.

Quando lá chegou estava tudo arrumado. Parecia que nada do que ele tinha desfeito no outro dia naquele gabinete estava partido. Ainda melhor, estava a prenda de Roberta em cima da mesa como nova e, um novo peixinho no seu aquário. Carlos começou a assinar todos os despachos e a enviar para publicação as novas regras e as novas ordens de serviço. Entrou também em contacto com a Ministra da Saúde daquele país, quanto à questão dos internatos hospitalares. Fora uma manhã cansativa, mas à tarde, já existiam respostas: breves e objectivas.

O chefe convocou para o dia seguinte uma reunião geral de médicos internistas de todos os anos, à excepção do último ano. A sala do auditório estava sobrelotada para ouvir falar tal douturado em logística com três ou quatro cursos em gestão hospitalar. Ouvia-se naquele local bafos quentes de dentes mal lavados e de quem estava ali há mais de vinte e quatro horas. Por outro lado existiam bafos frescos, principalmente femininos, de médicos que tinham entrado ao serviço à meia hora e teriam o resto do dia pela frente.

Carlos começou a reunião com a frase: "Vocês são o fundo do hospital. Qualquer coisa que vos seja pedida tem de ser feita". Mas rapidamente mudou de discurso. Passou a respeitar os direitos e os deveres daqueles que poderiam ser seus colegas, se ele tivesse conseguido entrar em medicina no final do secundário. Daquela reunião prolongada, de mais de hora e meia, sairam os internos felizes, contentes, com a boa-nova de que não poderiam prolongar os turnos e que a sexta-feira à tarde era descanso para ambos até ao final do quarto ano. Desta forma, ele tinham uma vida mais simples, menos carregada, para poderem não só disfrutar da vida fora do hospital, mas também para garantir a segurança dos pacientes que atendiam. Estavam mais frescos, menos cansados e não viam a meia-noite de sexta-feira como a hora de fazerem "filinha" para picar o ponto e poderem ir de fim-de-semana.

Ele regressou ao gabinete. Ainda tinha a prenda por abrir, e já se passavam alguns dias. A verdade é que ele estava confuso. Carlos queria abrir a prenda, mas não sabia o que ali estava. Algo bom, ou algo mau. Algo que lhe fazia ler o resto do livro à noite ou algo que o mantinha com lágrimas na cara, dentro daquela monotonia de arrumação.

Começou-se a ouvir tic tac's mais profundos. As válvulas cardíacas estavam a trabalhar com mais força. A respiração estava descontrolada. E ele continuava confuso. Abre a prenda finalmente. Vê algo que lhe chama definitivamente à atenção, mas acaba por deixá-la ali, sem abrir o segundo invólcro de papel de embrulho e saí do gabinete. Vai passear pelo hospital, tentando encontrar Roberta, mas não tem sorte. Ela tinha sido chamada para ir assistir a uma cirurgia demorada e o coração dele continuava com uns batimentos acelerados. Pumpum Pumpum Pumpum...

Até ele sair daquele sítio, assim foi. Chegou a casa, despiu a bata, depois de ter vindo nos transportes públicos com ela vestida e vai fazer contas ao dinheiro que tem. Chega à conclusão que tem o dobro do dinheiro que pensava ter, mas continua com ele guardado ali, naquela segunda gaveta, onde as coisas não têm muita importância. Abre a primeira e tira os lenços. Começa a chorar...

domingo, 12 de setembro de 2010

Podemos viver (XLIX) - Uma nova vida em Londres

Carlos depois daquele lindo texto que ele tinha escrito para Joaquim e de um forte abraço, levanta-se, sorri e acompanha o amigo até à estação mais próxima. Ambos apanham o comboio, Joaquim em direcção ao canal da Mancha e Carlos em direcção a Londres, voltando assim a casa.

Ele, com as mãos sujas de estar sentado junto a uma zona com terra, senta-se num comboio comprado com a sua assinatura, durante o tempo da sua presidência na empresa de transportes. Rapidamente ele tira isso da ideia.

Já era noite quando ele chegou a Tower Hill e daí caminhou até casa. Quando ele chegou a tal enormidão, vai para o quarto e verifica as escalas dos internos do segundo ano, onde estava Roberta. Ela tinha dobrado o turno de forma a ter a sexta-feira livre, e dessa forma não podia ir dormir a casa. Carlos ficou um bocadinho reticente, era uma noite sem a grande amiga dele, mas tudo se passava. À hora de se ir deitar foi ler o livro que Joaquim lhe tinha oferecido no décimo primeiro ano e que ele nunca tinha tocado até àquele preciso momento. Parou de ler tal magia literária ligada à ciência precisamente à meia-noite, quando chegou ao sexto capítulo. Fechou o livro e tira da primeira gaveta da mesa de cabeceira um bloco de notas. Começou-se ali a expressar:

 - Tantos beijos em diversos locais do corpo. Nós somos especiais!
 - Tinha e tenho ideias de poder passar o resto da minha vida contigo. Morto ou vivo acho que o vou fazer.
 - Temos uma casa muito grande. Para o futuro, gabinetes. Para o passado, uma passagem secreta.
 - Temos uma magia na vida. Para dar e vender.
 - Podemos sorrir juntos. Para os bons e os maus momentos.
 - Podemos dar as mãos. Estando contentes ou tristes.
 - Podemos ir à Lua e voltar. Porque a amizade não tem limites.
 - Podemos ser amigos. Porque a amizade é Universal.
 - Podemos ser humanos. Porque pensamos.
 - Podemos ser... o que nós quisermos. Porque.... somos livres.
 - Podemos morrer. Porque temos um tempo de vida.
 - Podemos viver!

Mas para isso é melhor ter qualidade de vida. Uma companhia. Um motivo para estarmos alegres e pensar em boas coisas. Que vamos conseguir aquilo que ambicionamos, que alguém nos ajuda quando precisamos.
Acho que tenho isso tudo. Mas não sei até que ponto é correcto o que estou a fazer.... Quero ser feliz!

Não muitos, mas alguém (XLVIII) - Uma nova vida em Londres

Naquele corredor ferroviário, estava ele sozinho, sem ninguém a caminhar. De quinze em quinze minutos passava um comboio e apitava. Buzinanços atrás de buzinanços, avisos atrás de avisos, Carlos continua a viagem até avistar uma estação ao longe. Quando a começa a ver pára. Ele atreve-se a passar as oito linhas de comboios que antecediam a estação para o outro lado e ficar na parte verdejante e mais limpa. Fica assim a ver de frente a cidade monumental. O tempo continua nublado, como habitualmente. Ele sentado começa a olhar em seu redor. Mais calmo com a vida já a reinar e o sentimento da morte desfeito. Sem vontade de se cruzar com ninguém conhecido.

Mal ele se sentou naquele sítio passou um comboio para a estação mais próxima. O comboio pára, larga as pessoas e alguém que sai naquela paragem foi a correr para junto de Carlos. Um rapaz. De estatura média e nada anafado. Tudo na forma e na posição correcta. Ele parou a meio do caminho. Verificou se ele conhecia a pessoa que ali estava sentada sossegadamente a mexer na vida não-humana ali existente. Depois de um período parado, o rapaz começa a correr para junto de Carlos e começa a  gritar : CARLOS! CARLOS!.

Carlos ali na calmaria, olha para o seu lado esquerdo e vê Joaquim. Não lhe punha a vista em cima há meses, desde aquele episódio em que Carlos tinha dado pontapés às prostitutas na parte mais obscura de Londres. Ele baixa-se para cumprimentar o amigo de longa data que ali estava sozinho a pensar na vida. Vai ao bolso do casaco que levava vestido e em vez de um lenço, encontra um papel. Um papel diferente dos outros, já bastante amarelado, com o que ali tinha escrito muito sumido. Mal se via. Além disso ainda uma lágrima de preocupação de Joaquim.

A respiração dele começou a acalmar. Já estava mais normalizada e nessa altura ele abre o papel e começa a lê-lo. Rapidamente se apercebe que foi algo que Carlos lhe tinha escrito há oito ou nove anos, ainda adolescentes ambos:

Além das coisas, és diferente. Mais responsável, mais humano, mais amigo do mundo adolescentício que rodeia a população portuguesa. E esta estapa da tua vida é marcante para ti e apara a tua família: novo sítio de aprendizagem, novos amigos, novas pessoas, novas felicidades, outros meios de transporte, mais cansaço, mais irritação e passas assim a integrar também os movimentos pendulares da capital.

Cresceste, desde o V ao T, passando pelo S, sem dúvida alguma que crescente. Que tomaste consciência que nada era fácil, que nem as músicas relativas ao poker eram tão simples como o acto de jogar tal jogo.

Partilhámos angústias, momentos bons, chatices com a família, preocupações com os avós. Acho que ambos marcámos o outro. Nem que seja por uma simples coisinha minúscula que fica guarda durante muito tempo na nossa caixinha sentimental, o coração. Não foram só dias, foram meses e um ano e certeza e sem dúvida. Se o ciúme foi a palavra inicial para que uma amizade começasse, não pode existir nenhuma para que a mesma termine, mas sim devem existir imensas para que ela, mesmo à distância se mantenha de pé, não reduza de grau e que quando um precisar do outro, se lembre dele. Que os Natais e os Novos Anos sejam passados na companhia da família, mas sempre com os amigos e inclusive comigo na cabeça.

Tendo uma frase, já adaptada de alguém que conhecemos bem, não esquecer nunca que as paixões vão e vêm, mas as amizades perduram; não esquecer que a família é nossa e não a podemos escolher, mas os amigos antes de serem nossos são alvos de testes minúnciosos para ver se são nossos.

Pergunto-me neste preciso momento como te irás sentir? Se perderei a confiança que depositei numa pessoa respeitosa que és, porque te afastas e segues o curso natural da vida ou então se perceberei que assim é o teu desejo e manter-me-ei calado, no meu cantinho, à espera de um dia em que precises de algo e que te lembres da minha pessoa.

Não muitos, mas alguém é sempre especial. O género não interessa. Mas sim a pessoa, a amizade.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Have a bad day (XLVII) - Uma nova vida em Londres

Roberta não vai ao gabinete do chefe e ele também não a volta a chamar. Com o ar que tinha no estômago, de comer à pressa, vem-lhe à boca um arroto, muito grande, de porporções inimagináveis. Carlos não tinha aprendido com a cirurgia. Tinha ficado a comer depressa na mesma, uma vida stressante e, estar fechado dentro de quatro paredes, estas um pouco diferentes das anteriores.

Sem mais nem menos, o chefe tem um ataque de raiva, seguido com um de choro. Antes de o ter, e já a pensar que iria ser assim o resto do seu dia de trabalho tranca a porta e faz das suas. A primeira coisa a ir para o chão é a prenda de Roberta. Depois vem a mesa onde estavam os despachos assinados à espera que fossem distribuídos pelos departamentos clínicos. E por fim, e com a raiva já no ponto máximo, manda a cadeira contra a parede. Depois de tudo, e já com a cara toda enlargimada, com um corte limpo no braço esquerdo, com uma direcção não definida de um aquário que ele tinha partido e que um pedaço tinha raspado no corpo de Carlos.

Naquele labirinto até chegar ao chefe, era necessário passar o documento identificativo duas vezes e seguir em frente numa porta blindada com código que, secretamente, estava em todos os cartões dos trabalhadores dos hospitais, na parte de trás, por baixo da banda magnética.

Carlos, senhor dos mistérios, descobriu no primeiro dia de chefe, após aquela desarrumação, que no canto direito do gabinete havia uma saída directa, através de um elevador para o local onde ele estacionou o carro. Ultimou a sua saída, apagou a luz do seu espaço, avisando a sua secretária que se tinha ido embora. Desceu no elevador metalizado, que anunciava o tempo que faltava até à chegada ao parque de estacionamento, e ao entrar nele, rebenta. Diz tudo! O que queria e o que não queria, frases correctas e frases sem sentido. Palavrões e palavras científicas.

Sai, naquele dia, do parque de estacionamento, a uma velocidade extrema, não seguindo os conselhos do médico português. Quase que ia atropelando uma pessoa, mas o sistema de travões automáticos do carro protegeu o utente que não tinha culpa do chefe estar enervado. Parecia um cão raivoso.

Chega a casa e Carlos começa a fazer as malas. A meio de tal actividade pára, desfá-las, põe tudo no sítio e volta a sair de casa, ainda danado, muito introvertido e com umas bochechas completamente cheias de ar, sinal que dava a entender a grande fartura, cansado da monotonia, fora de si. Desce à rua principal e pega na primeira mulher que vê. Agarra-a pelas costas e beija-a. Descarrega ali a força emocional que tinha, no roçar de lábios quase que obrigatório e não desejado por ele, mas que ele fez sem pensar. Depois deixa-lhe um papel no bolso esquerdo de trás das calças e pede-lhe desculpa. Brincou com os sentimentos dela, tal como lhe haviam feito há uns anos. Sem força de vontade, e com uma cara chorosa, vai à estação do DLR mais próxima, ainda com traços de novidade, e põe as pernas na plataforma onde o comboio iria chegar dentro de pouco tempo. Mas ele não se lembrava que àquela hora as carruagens não obrigavam o condutor a chegar ao fim da linha e, neste caso, aquele comboio ficou no meio da plataforma, devido à sua dimensão.

Para Carlos aquele, foi um sinal de fracasso, mas também um sinal positivo, que devia continuar com a sua vida. Ele tira as pernas dali. Levanta-se do local de onde estava e põe-se a caminho do fim da plataforma para conversar com o motorista que estava do outro lado do "help point", mas, quando ele ia carregar no botão, o comboio partiu. O que ele ouviu do outro lado foi apenas ruído, sem possibilidade de perceber alguma voz humana decente.

Ele fecha os olhos e imagina-se no céu, acima das nuvens, deitado nelas, ao lado de uma rapariga bonita, e ao fundo um jardim, como que fosse o paraíso, a utopia da vida, a não chatice ilimitada. Mas de repente regressa a Terra, cá a baixo onde a não-utopia é viver, devido ao barulho que existe em tudo, as fricções de placas tectónicas e a nua e crua da verdade.

Mas algo ele tinha pensado... Percebido que a realidade não eram estratagemas, mas sim aquilo, de forma directa... Então depois de pensar tudo isso, põe-se a caminhar sobre os carris, roçando nos balastros de cor clara contrastando com outros de cor já escura, sujas de óleo. Todos os comboios que ali passam apitam para ele sair dali, mas ele continua junto à linha, a passos curtos, em direcção ao Sul.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O reinício da rotina londrina (XLVI) - Uma nova vida em Londres

Roberta não respondeu ao que Carlos queria. Não lhe deu a resposta mais óbvia, ou que tinha gostado ou que tinha detestado. Ficou calada no meio daquelas quatro paredes em tudo já rotineiras e sem ânimo, monótonas entre o chão e o tecto e iguais da esquerda para a direita.

O tempo vai passando, Carlos tem alta ao fim de mais de mais uma quinzena. Era início de Outubro quando ambos entram no avião e acenam aos pais de Roberta, no aeroporto, em Faro. No meio da viagem, o silêncio reinou até Roberta tocar no assunto dos pais de Carlos. Quando ela começa a falar deste assunto, ele interrompe-a, dizendo que já sabia que a mãe e os avós tinham morrido e que estava sozinho, não só na esfera azul e verde, com combinações castanhas, mas também no restante Universo. Roberta pega no joelho de Carlos e aperta-o, dizendo de seguida que Carlos também a tinha. Independentemente de todo o passado, era importante saber que um bom e grande amigo não se esquece, nem pode desaparecer de um momento para o outro.

A viagem de avião termina onde tudo começou, num aeroporto de Londres. Eles, naquele local tão enorme e tão movimentado foram abalroados pela polícia inglesa devido a um atentado bombista que existia naquele terminal. Carlos ignora o aviso e, ainda com a mão no estômago pega na mão de Roberta e corre com ela para a sub-cave do edifício onde estava a limusina à espera deles. Ao passar para a escada rolante que os levava lá são visto por um dos elementos da quadrilha. Devido à mala que Roberta trazia e que tinha posto ao seu peito, não foi alvejada e conseguiu ela, e Carlos, escapar àquela infinita espera que seria, minutos atrás de minutos, horas atrás de horas, e não sabendo e pondo a possibilidade, dias após dias.

Chegaram a casa. O tempo, lá fora era como o escuro e o dentro da casa era como o claro. Havia a razão do oito e do oitenta, a diferença era enorme. Na rua, a monotonia da chuva, em casa, a iluminação raiava em todas as divisões com pessoas.

Carlos diz a Roberta que está com dúvidas quanto à continuidade dela no especialização , porque tinha faltado um mês do seu segundo ano como médica a 90%. Aquele dia chegou ao fim, deixando a cama aberta e pronta para ambos irem descansar, cada um em seu quarto, mas ambos com caras sorridentes.

Na manhã seguinte, é de louvar a capacidade de Carlos para ir trabalhar, o médico português tinha-lhe dado autorização para tal e ele, tinha de ficar a fazer as revisões oncológias no hospital onde iria ser o máximo chefe. Quando chegou ao seu novo gabinete era um grande monte de tralha para assinar. Os papéis já começavam a amarelar de estar ali três meses sem despacho. Os médicos começavam a perguntar o atraso do novo chefe. A primeira coisa que Carlos fez foi uma reunião geral. Com isso, é de perceber o atraso e todo o hospital ficou a saber da situação oncológica dele. Mas não havia hipótese. Quando ele regressou ao seu espaço tinha uma prenda de Roberta bem identificada com um embrulho com o símbolo do Metro Londrino. Ele põe a prenda de lado e chama-a ao seu gabinete...

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Mais uma tarde maravilhosa (XLV) - Uma nova vida em Londres

A pedido de Carlos, o médico colocou por debaixo da caixinha do textos um deles. Quando Roberta regressou Carlos pediu-lhe para ler em voz alta. O título era: Mais uma tarde maravilhosa.

Comecei o dia com dores de cabeça e com um nó no estômago. Tive uma manhã atribulada e super ocupada, aviar medicamentos, fazer o teste do colesterol. Acabei transpirado, quando cheguei a casa, já esgotado e ainda com mais dores de cabeça. Disseste-me para ficar em casa, mas apresar de tudo não aceitei. Queria ver-te e não aguentava mais as saudades que tinha de ti. Queria entregar-te o que era para ti hoje. Fui almoçar a tal canjinha com gelatina. Por sorte encontrei uma colega que me deu ibuprofeno. Era algo desconhecido para o meu corpo. Apenas tinha tomado paracentamol... Era ali a derradeira altura para uma reacção alérgica. Por sorte, não aconteceu.
Depois, pensava que ainda estavas na saída desde manhã e mandei-te uma SMS à qual não respondeste. Eu tinha ido para a minha escola de línguas, e de repente reparo que tinhas mandado uma SMS a dizer que nos encontrávamos junto ao centro comercial ao pé da tua rua. Respondo de forma afirmativa e continuo as minhas lições.
O tempo ia passando e eu olhava para o relógio. Na última vez, quando tinha acabado a primeira de três lições daquela unidade, olho para o relógio do 'speaking centre' e vejo que ainda eram 15 horas. Não liguei aos minutos. Saí de lá pensando que ainda tinha tempo para ir ao fórum comprar uma garrafa de água. Pus uma camada de bâton do cieiro e, depois segui para ir ter contigo ao sítio combinado. Antes de fazer a esquina do banco, vi-te ao longe. Passo a estrada e ao fazer a esquina de novo, mas do outro lado do passeio, deparo-me com alguém a chamar-me. Pensei que fosses tu, alguém me chamou, ou pelo menos pensei isso. Não estava à espera de te encontrar tão cedo, mas vieste sem óculos de Sol. Parecia que adivinhavas que apesar de te ficarem bem, gosto de te ver a cara toda sem óculos.
Girei em 180º em direcção de novo ao fórum. A primeira coisa que faço é ver se és mais alta que eu, da mesma altura ou mais baixa. Não chego a nenhuma conclusão e na minha cabeça, com os batimentos cardíacos mais acelerados começam a colocar-se questões: Será que ela vais gostar da prenda? Será que ela vai gostar da saída? Será que ela já não está ofendida comigo? E se encontrarmos alguém? Como vai ser? Será que lhe vou ler o texto?.
Passamos o fórum por dentro e sentámo-nos no acimentado que existe ao pé da farmácia. Pergunto-te qual é a prenda que queres primeiro: a cinzenta ou a castanha. Depois de responderes que era indiferente, dizes que queres a de Lisboa, ou seja a cinzenta. Entrego-ta e quando abres reparo que estava trocada. Não devia ter dito, mas foi instantâneo na minha cabeça. Saiu-me aquilo.
Depois vem a prenda castanha. Aí ainda tive mais receio se ias gostar. De repente começas a adivinhar tudo o que havia para adivinhar e, vem a parte dos textos. Aquele que eu te queria ler, mas como estava Sol, acudi ao teu pedido e disseste-me que o lerias em casa. Espero que quando o leres, sorrias como eu sorri quando estive contigo.
Saímos daquele sítio e começamos a passear pelo fórum. Vamos a várias lojas e antes de entrarmos numa mexo-te no cabelo e faço-te cócegas. De seguida, digo que estava com saudades tuas. Era para te pedir um abraço nesta altura mas engoli o pedido e ouvi a tua resposta. Tu respondeste, com uma pequeno espaço de tempo para pensar, que eras como mel. Eu respondo que não era uma abelha, mas sim uma vespa. Se calhar arrependo-me, mas nos próximos dias de certeza que pensarei melhor no que disse. Corrigiste-me de forma tão rápida e eu era um zângão e não uma vespa.
Entrámos numa loja de roupa, onde tinhas comprado algo que eu tinha de adivinhar. Não foi à primeira, mas digo-te que o que compraste deve ficar estupendamente bem! Mas eu não me deixei ficar e coloquei-te o mesmo desafio depois. Descemos e depois de vermos as minhas colegas do ensino básico, entramos numa das lojas e desafiei-te a adivinhar a peça que lá tinha comprado e que levava vestida na altura. Perguntaste-te os tipos! Eu não respondi. À primeira chegaste lá, sem te dizer nada. Sim, tu viste o ano passado quando te dei a outra prenda e não, se fosse o outro tipo, não me importava nada de mostrar. Porque eras tu!
Saímos de lá e fomos à livraria. Depois de te lembrares do aniversário da tua mãe, e ainda juntos, comecei a recordar o momento em que te dei as duas prendas e que me disseste que não me trazias nada. Eu digo-te agora que dá-me um sorriso enorme e dias após dias de boas conversas que me fazem feliz. É a melhor prenda que me podes dar. Além disso, e a olhar, de forma discreta para o relógio pensei como estavas igual na cara, com tudo como eu te tinha visto em Julho antes de irmos de férias.
Falei-te de um livro acerca de rapazes e compraste-o. Eu queria oferecer-to, mas não fui explícito o suficiente. Acabaste por o comprar e no caminho para a caixa acabei por te dizer que ia pôr os meus contactos a funcionar. Mas não o vou fazer. Porque, como amigo teu, tenho de te respeitar e penso, e afirmo com quase 100% de certeza que se tivesses algo de importante para me dizer acerca de ti, me dizias, de qualquer assunto. Saímos e como não viste ninguém, entrámos na loja ao lado. Aí deste por falta do teu outro telemóvel e, ligaste para quem ali deveria estar e não estava e depois essa pessoa liga-te. Saíste da loja dizendo para ficar lá até me mandares SMS. Esperei pela mensagem e após lê-la, fui-me embora, nunca olhando para trás. A minha cabeça pensava que tinha de ir para o autocarro!
Já na carreira 7 comecei a pensa em tudo o que se tinha passado, nas nossas conversas, nas cócegas, nos textos, nas prendas, no tempo que passei contigo e que adorei. No fundo achei-o pouco. Queria passar mais tempo contigo. Uma manhã ou uma tarde inteira, só os dois!!!! Depois perguntei-me se querias passar tal tempo comigo e o que é que iria fazer nessa altura. Não obtive resposta. Mas o que sei é que, foi alegre e bastante amicíssimo.

Por tudo isto, dedico-te este bocadinho de texto, dentro dos outros milhentos que gostas que são meus para ti...

Depois de Roberta acabar de ler, Carlos pede-lhe opinião acerca do texto e a cabeça dela levanta-se. Roberta diz que...