Passadas duas semanas, Roberta traz as cartas todas que estavam no correio para Carlos. O que é de realçar é a alteração da proposta que o hospital londrino lhe fez. Ele passaria a ser o número 2 do hospital. Ele sorriu bastante com tal comunicação. Outra era relativa aos amigos que ele tinha em Odeceixe.
Carlos ainda estava confuso com os novos órgãos, mas a cabeça dele mantinha-se a mesma. Ele, ao ler a primeira carta, pede a Roberta para se sentar. E começa a falar:
- Dear, eu não te contei nada, mas um hospital em Londres fez-me uma proposta para ir trabalhar para lá. Não te contei, porque ainda tenho uma grande mágoa de não ter conseguido seguir o meu sonho respeitante à profissão. Depois daquele dia em que eu dei a conferência de imprensa aos londrinos, recebi a tal carta, à qual respondi que aceitava o cargo de membro do Conselho de Administração, dependendo da minha doença, sem prejuízo de despedimento. Eles não responderam e, ao que parece, esta é resposta. Não consigo desfazer este nó que aqui tenho, daí te ter escondido.
Roberta continua calada e refere que ele não ia a Odeceixe há dois anos e que agora tinha recebido uma carta de lá. Carlos chama Roberta para mais perto dele e começa a ler a carta que tinha recebido.
“Olá Carlos,
Já é o segundo ano que não passas férias por cá. Guardei a morada dos teus avós, há uns anos e, dessa forma, decidimos este ano contactar-te. Aqui continuamos com a mesma rotina. Ir à praia de manhã e ficar lá até à noite, almoçar, por vezes, ao restaurante ao lado da casa onde moravas, a jogar à sueca. Tudo como antigamente.
Sentimos a tua falta, porque animavas um pouco o “pessoal” e pensámos que te tinha acontecido algo. Esperemos que recebas a nossa carta o mais breve possível e que respondas.
Beijinhos da malta de Odeceixe”.
Carlos, com ar de saudade, diz a Roberta que aqueles amigos que ele tinha, eram grandes companheiros deles e que até havia uma rapariga no grupo deles com o mesmo nome de Roberta, pelo menos o primeiro e o segundo.
- Ajudas-me a escrever a resposta, por favor? As mãos, hoje, não estão num bom dia, diz Carlos.
Roberta responde afirmativamente e Carlos começa a falar:
Olá Família Antunes e Oliveira,
Espero que esteja tudo bem convosco. Agradeço que me tenham enviado uma carta de preocupação, à qual eu estou a responde com muito gosto. Certamente perguntar-se-ão o que se passa comigo, já que há 2 anos que não vou a Odeceixe passar férias. De facto, o ano passado tive atarefado com a minha partida para Londres e tive de regressar a casa no meio de Agosto. Apenas vi o Sandro e a D. Antónia ao longe. Este ano é mais complicado. Apesar de estar de férias e em vias de pertencer ao Conselho de Administração de um hospital londrino conceituado, o cancro que tinha no estômago e nos intestinos alastrou de mais e tive de ser operado. Estou no Hospital Central aqui do distrito, a recuperar das grandes operações que me submeti. Conseguiram-me animar um pouco agora. Espero que, com as palavras seguintes, consiga eu fazer-vos relembrar memórias que foram passadas há alguns anos:
Naquele ano tudo foi diferente, não foram apenas as idas ao chapéu nem os jogos de cartas. Foram conversas, desabafos, crítica, sugestões, invenções e novidades. Alterou-se a rotineira vida de ida e vinda da praia. O aniversário da “us média” foi divinal para mim. Aquele 21 de Agosto deu para perceber que algo não estava bem e acabei por decidir, após conversa com a Sofia Catarina que tinha de fazer algo.
Na praia aproximei-me bastante de vós. Adorei esses tempos. Continuo a dizer que a “us velhota” é o máximo e que a D. Antónia deixa saudades pela sua actualidade! Os restantes adultos não pensem que não marcaram, mas todos deixaram marcas que são impossíveis de esquecer: a mãe da Sofia Catarina por ser canhota, como eu. O pai e o avô por terem parecenças e terem uma forma de vida própria distinta. Quanto à mãe da “us média” o que há a dizer é… A sueca é algo que nunca se esquece, mas sempre se aprende.
Quanto ao pessoal mais pequeno, a companhia foi a melhor de todos os anos. E, já para não falar, do não preconceito e da abertura imensa existente.
Só me resta agradecer e desejar que me façam companhia por muitos mais anos.
Cumprimentos,
Carlos.
Após Carlos ter terminado o texto que Roberta tinha escrito para enviar para os Odeceixenses, entra o médico na sala alegre e dizendo que dentro de duas semanas, tudo indicava que Carlos tivesse alta. Roberta não consegue conter as lágrimas e sai do quarto a chorar. Carlos, mais rijo, pede ao médico para lhe explicar tudo o que lhe tinham feito e os cuidados que ele passaria a ter de ter. Eram imensos, desde uma alimentação mais equilibrada, menos stress e mais qualidade de vida.
O paciente agradeceu com uma tentativa de “passou bem” não conseguia, porque a força que ele tinha ainda não era a suficiente.
Quando o médico sai, Roberta regressa. Carlos pergunta porque é que ela não chorou à sua frente, porque as lágrimas, não tinham mal, porque Roberta estava sempre dentro da caixinha sentimental de Carlos. Ela sorri e aconchega-se ao lado de Carlos, junto ao seu braço direito.