Mas nunca chega a fazê-lo. O orgulho pessoal era máximo para Carlos, mas as dúvidas e os sentimentos que ele escondia também o frustravam e o deixavam cada vez com mais dúvidas, mais vontade de mudar tudo, de finalmente poder dizer o que realmente se passava naquela cabeça, mas, mais uma vez, lembrou-se do passado.
Achou melhor, deixar-se entrar na onda, da qual ele estava a tentar sair, e não se preocupar com silêncios; deixar as conversas correrem e não se chatear, apenas tendo cuidado com isto ou com aquilo - mas as questões perduram sempre. Assim fez deixa a estação de metropolitano abandonada. Ele tinha ficado ali mais de um mês. Estava completamente desgastado, cheio de fome e quase que nem podia andar. Foi sorte naquele momento avistar-se na linha o comboio da limpeza, algo que ele tinha introduzido para dar a entender às pessoas que o metropolitano londrino é algo limpo, apesar de antigo. Manda parar o comboio com a sua frágil mão e com a roupa já comida e com cheiro a transpiração e a ratos, e identifica-se. Mostra o cartão como é o Senior Manager e para o confirmar, o maquinista do comboio da limpeza obrigou-o a fazer a prova das impressões digitais na máquina que cada cabine de comando tem para se controlar a entrada e a saída dos maquinistas.
Após tal confirmação, a viagem começa e Carlos pergunta as horas. Estando ali um mês fechado, quase sem Sol, apenas com luzes do metropolitano era difícil saber a que hora do dia estávamos. Mas rapidamente responderam que era madrugada, mais precisamente 02h43. O frágil Carlos, pede a gaguejar e quase a cair de fraqueza para lhe deixarem na Estação de Bank ou na de Monument e que pedia a um dos ocupantes que o acompanhasse até casa. Assim foi. Carlos juntamente com um dos ocupantes do comboio batem à porta das traseiras onde estava situada a entrada dos funcionários. Rapidamente a guarda-nocturna da casa do chefe dos transportes de Londres abre a porta e prepara um pedaço de maneira para bater À pessoa se não fosse de bem. Carlos, com uma voz fraca, diz:
- Emily é o teu patrão, vê.
Mostrando-lhe de seguida a identificação. Emily desconfiada deixa que Carlos entre em casa e começa a fazer perguntas. Carlos não tem força para responder, mas pede um banho. Rapidamente ouvem-se as torneiras da casa de banho das funcionárias a deitar água, para que o chefe da casa pudesse tomar banho. Assim foi, depois de um banho e de Carlos ter feito a barba, e claro, de se ter penteado e vestido a roupa de dormir, já parecia ele. Implorou comida para de seguida se ir deitar. A funcionária que estava com ele, nada experiente na comida portuguesa, mexe uns ovos e dá-lhe juntamente com umas batatas fritas feitas à pressão. Carlos comeu tudo. Naquele mês que ele tinha passado na estação de metro abandonada tinha aprendido que tudo é comida, desde que seja comestível.
Ainda cansado o chefe da casa pede a Emily que não comente esta situação com ninguém, porque no dia seguinte explicar-lhe-ia a situação. Além disso pede ainda para não contar nada a Roberta, e para trancar a porta do quarto de Carlos. Ele deitou-se, mas, acordado com as primeiras horas da manhã e ainda com fome desce à sala das funcionárias e toma o pequeno-almoço. Encontra Emily e explica-lhe o que se passou. Pede de novo para não dizer nada a Roberta, porque ele não se sentia à vontade para lhe explicar tal razão.
Já com algumas forças, escreve com uma má caligrafia um bilhete que coloca debaixo da porta do quarto de Roberta, onde ela ainda dormia.
"Olá. Não fiques preocupada porque está tudo bem comigo. Saí, há um mês sem te dizer nada, porque precisava de resolver uns assuntos do departamento para o qual trabalho e no lugar onde estava não tinha rede. Este mês fora fez-me pensar em muita coisa, amiga. És super misteriosa comigo. Eu entro no teu jogo, na maioria das vezes, mas cá por dentro, dano-me pelo teu silêncio em vez da tua desconversa. É como que preferisse ouvir um "não quero falar disso" em vez de ver a tua boca calada. Por cá soube que estava tudo bem e que estás quase a concluir o internato. De certeza que te vão contratar. O meu contrato acaba em Setembro depois das férias e nós, já estamos praticamente em Abril.
PS: Não me procures nem vás ao meu quarto por favor. Deixa-me assentar as ideias que trouxe da viagem, se não te importares."
Roberta leu com normalidade o bilhete e deixou-o guardado na mesa da cabeceira, na primeira gaveta. Reparou, dez minutos mais tarde, por volta das oito horas da manhã que o céu estava azul, algo raro em Londres, e também, que, por debaixo da porta tinha outro papel. Apanha-o, e abre a porta de rompante. Vê várias funcionárias a prepararem-se para a limpeza diária ao longo corredor e à escada. Mas não olha para o lado, onde, com uma respiração ofegante, estava Carlos.
Ela fecha a porta e põe-se a ler o novo bilhete que alguém tinha deixado para ela. Intitulado : O que é amar?
Podemos até descrever o mundo e o Universo, mas amar é algo que não é fácil e que nem deve ser. Toda a gente começa com uma simples química, mas essa vai-se aprofundado, os conhecimentos aumentam e a relação torna-se mais forte. O simples facto de dizer amar não implica, de nenhuma forma, o namorar ou o querer estar de mãos dadas quase que permanentemente. Mas, antes disso, é uma palavra de carinho, de importância e de confiança. Esse sim é um amar verdadeiro. O gosto é que se reflecte na parte do namoro e da relação mais séria. Faz-me confusão ter deitado tudo a perder, mas deixei, era como uma criança nessa altura. Depois, vi-te com um limite interposto num patamar tão elevado e fácil de alcançar que deixou com vontade de chegar lá acima. Porém, não consigo. Fico sempre um ou dois patamares abaixo e começo a rosnar comigo próprio. Sem culpa, começo a pensar que tu é que tens a culpa, porque tu é que introduziste esse limite estúpido. Mas está bem feito e se te sentes bem nele, boa!
Perguntas-me agora, de certeza, se eu te amo. É difícil de dizer que se ama uma pessoa, muito difícil mesmo, pelo simples facto de que, mesmo entre namorados, quando é sentido o acto de se dizer que se ama, é difícil. Lanço para o ar um grande suspiro respondendo depois dele, não sei."
Após a leitura, Roberta guardou o texto na segunda gaveta da mesa de cabeceira. E foi ter com Carlos ao seu quarto. O que ela não estava à espera era a existência de uma escada de segurança que ligava ao quarto de Carlos ao quarto de Roberta, e, onde agora, estava Carlos, chorando e lacrimejando, alternando com uns sorrisos. Ele queria algo, se calhar sentir-se livre e esclarecer as dúvidas, mas quando ouviu chamar pelo nome, levanta-se com ânimo e responde, "sim". Roberta abre a porta, mas não vê ninguém. Apenas algumas manchas de terra dirigindo-se à prateleira dos livros de logística de Carlos e, passado uns momentos ouviu um espirro. Ficou perplexa a pensar o que se passaria naquele quarto.