terça-feira, 27 de julho de 2010

A pequenez e grandeza juntos (XXXIX) - Uma nova vida em Londres

Os meses passavam-se, as cartas para Carlos, no casarão, em Londres, acumulavam-se; Roberta estava confusa. Como estaria Carlos? Há meses que não se falavam. Desde a última conversa, pouco ou nada se tinha avançado sobre a pista e o tempo estava a "esgotar-se".
A quilómetro de distância é de reparar na grandiosa cirurgia que os oftalmologistas fizeram a Carlos. Mas o silêncio intrigava-o...
O silêncio, desde o Secundário, era um dos grandes medos de Carlos, e agora, ele estava a passar pelo maior da sua vida. Foram meses de tremendo medo, dor no estômago, rosnar dos intestinos e vontade de vómito. A decisão que Roberta tomou, quando o mandou para aquela clínica, não era percebida por Carlos. Ele queria estar com Roberta, senti-la como a sentia e como a sentiu. Já recuperado da cirurgia, mas não da depressão que ele tinha, o choro era evidente.
Ele tanto chorava como sangrava. Ele tanto desejava Roberta como a odiava. Ele tanto dizia desculpa, como gritava que era o culpado de "o nada", mas mesmo assim, se iria matar. Ele não estava bem, nem naquela clínica. Ele precisava de tempo, coisa que não tinha; ele precisava de ser são, coisa que não era, ele precisava de ser ele próprio, coisa que ele não conseguia ser.
De repente, decide ligar para Portugal, para os pais de Roberta. Perguntou se o podiam acolher. Apesar de Carlos ter família em Portugal e ter Roberta em Londres, ele precisava de alguém mais, muito mais maduro. De um apoio forte, fora da família.
Ele precisava de mudar de ares, de sentir um prazer de novo.
Apanha o voo e, quando chega a Portugal, mais especificamente, na casa dos pais de Roberta, pede à mãe dela para lhe dar um abraço. Ninguém lhe dava um abraço há muito. Há tanto tempo, que ninguém podia entender como ele se mantia em pé sem carinho.
Quando Cristina, mãe de Roberta, acaba o abraço, Carlos diz-lhe que agradece o abraço do fundo do coração. E senta-se pela primeira vez, no sofá de casa de Roberta. Nunca lá tinha ido, mas tudo era tão belo.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Ele estava longe, mas perto (XXXVIII) - Uma nova vida em Londres

A cegueira levou a que Carlos, dias mais tarde, fosse parar a uma clínica de recuperação no meio do mato, longe de Londres, longe da cidade, perto do campo. Para ele, o que contava era o adorável cantar dos passarinhos e o rico cheio do campo, quase sem gases automóveis, sem fábricas. O que ele tinha pena era de ouvir, com muita frequência, os pingos da chuva na branca e nova janela do quarto. Mas os quadrados na vista continuavam. A tensão ocular continuava altíssima e nada a fazia baixar.

Roberta, após ouvir a opinião do colega que lhe tinha ido levar a bata, pôs Carlos na tal clínica. Naquele casarão o silêncio voltou a reinar. As confusões deixaram de existir. E o quarto de Carlos estava vazio. Sem roupa. Sem calor. Sem luz. Com as cortinas fechadas. Sem um pingo de água. Já com pó na mesa de cabeceira.

Ele podia estar longe, mas a sua mente estava perto, muito perto, mas ao mesmo tempo, com uma grande confusão.

Com muita calma e com uma baixa velocidade, Carlos sai do quarto e vai dar uma volta ao longo do terreno adjacente à clínica. Com a guia de metal envolvida em alumínio, ele segue pelo caminho mais próximo que encontra, mas não tem a noção que está a seguir o mais sinuoso e menos apropriado para ele.

Aparece-lhe um dos seus grandes amigos do secundário, mais uma vez, Joaquim. Joaquim, que Carlos tinha encontrado há uns meses no meio de Londres, trabalha agora naquela clínica, longe de tudo, como assistente de um dos mais conceituados médicos. Ele impede Carlos de cair no buraco que se avizinhava na estrada. Ele leva-o para a sala de convívio e tenta pô-lo a falar. Carlos continua a ter a pulsação acelerada, mas acaba por contar a Joaquim do cancro que tem no estômago. As lágrimas de Joaquim acorreram à sua face. A limpeza do chão da clínica contrasta com o local onde Joaquim estava, onde na sua direcção, tinha uma mancha de água lagrimal.

E Carlos comenta que "ela não responde"... E Carlos sente que Joaquim não está bem e tenta abraçá-lo. E Carlos quer recuperar a visão, mas não consegue. E Carlos quer sentir aquele cheiro do perfume belo dela, poder acarinhar tal suava face, mas não pode!

Põe a mão na cabeça e dá com a bengala-guia na perna, de forma a tentar partir esta parte do corpo humano. Depois disto, pede a Joaquim para ele ligar a Roberta e dar-lhe a próxima pista para ela descobrir o que realmente era um os desejos de Carlos. Após Roberta atende e de passar a parte inicial da conversa, Joaquim lê assim num papel que Carlos tinha escrito no computador, dias antes de ficar cego:

"De facto, o que é mau, acaba sempre por chegar. Mas o bom, o melhor de tudo, o fim de algo bom, para se avançar, ainda demora muito mais depois do mau. Estive quase lá no fim de algo bom, para subirmos mais um pouco, mas estraguei tudo com a minha tolice. Pensa de forma mais adolescentícia para resolveres esta pista".

Roberta, do outro lado do telemóvel, diz que aponta a pista, mas, que vai tentar percebê-la, porque não conseguiu decifrá-la pelo telefone. Carlos, de cabisbaixo, dá um ligeiro sorriso quando Joaquim se despede de Roberta. Este, ainda diz à grande amiga de Carlos que ele tinha tido um ligeiro sorriso na face, mas que era algo pouco.

Ela, em Londres, dentro do grande casarão começa a pensar, começa ver os dias a irem para trás e para a frente, e Joaquim longe e o colega que lhe foi trazer a bata, tinha-lhe passado a ignorar, por motivos que ela sabia muito bem: inveja. O que ela poderia fazer? Estava a quilómetros de distância, e tinha a grande caixa mágica da vida, o coração, nas mãos.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Continuo a ser eu.... aquela pessoa em que tu... Please! (XXXVII) - Uma nova vida em Londres

A noite não parecia ter fim. O desejo de Carlos em recuperar a visão era algo estonteante. Ele nunca tinha comentado nada acerca de Roberta, sem ser o seu interior, apesar de a ter visto em adolescente. Procura o gravador que tinha na caixinha dos textos e ao encontrá-lo rebobina a cassete e começa a ouvir um dos textos que ele tinha gravado, mas nunca escrito:

"Não sei como intitular este texto. Um texto oral, o primeiro que eu lhe gravo. Estou quase a chorar. Quero encontrar-me com ela, mas estou muito longe. Quero poder-lhe dizer que BASTA e que apesar de tudo quem está a sofrer sou eu. Que até posso ter assumido e feito um grande erro, mas que, ela, na minha opinião, não está a agir como deveria agir. Mas não posso. Não estou junto dela. Estou longe, muito longe, mesmo muito longe. Não sei que fazer. Sinto-me perdido nesta azáfama de pessoas, as quais, para mim, este ano não querem dizer nada. Eu devia estar onde moro e não a passar férias. Eu devia estar junto dela, para podermos tentar resolver as coisas, mas não estou. Não consigo resolver nada por telemóvel. Não sei que mais fazer para lhe dizer o que quero dizer. Ela continua preocupada comigo, porque não estou muito bem, mas quando eu toco em algo, como no antigamente, ela não responde. O passado é o presente! Eu não quero!!!! Eu quero o passado recente, antes de eu ter cometido o grande erro. Não sei que mais pensar, que mais dizer, que mais falar. Encontro sempre algum obstáculo que me impede de avançar, nem que seja o seu silêncio electrónico. Como devo fazer? Não sei e não quero estar assim. Estou a desgastar-me, a arranjar nervos a mais, a deixar que ela me consuma, por coisas que eu não lhe consigo explicar ou ela não quer voltar a passar comigo. Quem me dera poder estar ao pé dela, mesmo juntinho e ajoelhar-me e pedir-lhe perdão! Não um perdão electrónico, mas sim algo sério, um perdão a sério, no meio da rua. Só me lembro nestes momentos dos nossos maus momentos, e de alguns bons, mas em último lugar. Farto-me de suspirar para aqui, mas ela não ouve. Quero algo que a faça perceber como eu estou e porque estou assim..."

Com dificuldade, Carlos deita-se na cama e adormece destapado. Continua a guardar o grande segredo da saúde dele, mas não o consegue contar. Apenas ao ouvir Roberta ao longe pensa no seu sorriso, que esse sim, deixava-o feliz e sem medos pela frente.

Sem Roberta e sem sorriso Robertesco era mais complicado, muito mais.

Será que ela quer-me castigar mesmo? Ou o tempo vai fazer com que se melhore algo? - Perguntou Carlos, quando acordou com um grande espirro.

Mais uma vez não obtém respostas. Volta-se a deitar e procura o telemóvel, para de manhã cedo ligar para Portugal. Falar com alguém sobre os seus problemas. Na janela de Carlos a escuridão da noite era contrastada com umas nuvens mais claras carregada de chuva. Mesmo que fosse de dia, ele não iria perceber. Ele não conseguia ver o relógio, ainda continuava cego.

terça-feira, 20 de julho de 2010

A cegueira do nervosismo (XXXVI) - Uma nova vida em Londres

Passam-se setenta minutos desde que todos lhe bateram à porta por causa do grito que ele deu. E, após esse tempo, Carlos destrancou a porta. Abriu-a e esperou, sentado na cama, com o chão sujo de sangue que alguém viesse, mas ninguém veio. Nem Roberta.

Carlos começou a imaginar coisas, para a frente para trás, da direita para a esquerda e nada, apenas chegava à memória o tremor das mãos, o sentimento vazio, o querer e o não ter e a sensação que o tempo não passava. O nó que ele tinha quando escreveu aquele texto tinha voltado. A imagem que ele tinha da realidade e das pessoas à sua volta tinha-se alterado. A vontade de querer regressar ou se começar tudo do 0, ou então de fazer algo, de ter força para poder mudar os acontecimentos que dão origem a tudo o que é mau. A vontade de querer mudar o que tinha foi levada ao extremo. Desce do quarto a toda a força e bate com a porta da sala contra a parede, começando a falar com Roberta, com calma, de olhos fechados, mas como via que ela não respondia, que o ignorava, põe a caixa dos textos em cima da mesa e mostra-lhe, um por um que toda a razão por ele escrever era ela. Toda a possibilidade de ele estar mal é porque não percebia as atitudes dela. Ele queria mudar, mas ela não deixava. Começou a chorar de novo.
Com tanta raiva e ideias, deixou de ver. Carlos ficou cego, naquele momento na sala, junto de Roberta, e do seu colega que lhe havia trazido a bata.

Carlos, com esperança que, após fechar os olhos iria recuperar a visão, diz-lhe:

- Um dos meus últimos pedidos: acaba o desafio. Corre até ao teu escritório e revolta-o! Está lá a resposta! Encontra-a e abre a porta do que está escondido. Encontra-o e junta-o com um cotonete. Mas não me deixes assim cego. Eu não consigo ver. EU NÃO CONSIGO VER! Por favor, faz o que eu te peço. Não me julgues o resto dos tempos!

Após tudo isto, que para o colega de Roberta era uma encenação teatral e que, para Roberta, fazia-lhe com que a paciência chegasse ao seu limite, ignora o que Carlos diz e deixa-o ali, a arrefecer no meio da sala. Quando ele regressa ao quarto, tenta abrir os olhos e o que vê são quadrados brancos misturados com uma névos cinzenta. O que ele queria ver era a companhia de Roberta e o seu sorriso de novo.
Mas a paciência tinha-se esgotado. E Carlos tinha ficado cego.

The life is nothing for me. My number one is dead (XXXV) - Uma nova vida em Londres

Ele não sabia a resposta. Pensava o que era, mas não conseguia decifrar o verdadeiro motivo daquele sentimento. Pega numa folha que encontra junto da mesa de cabeceira e começa a lê-la. Era um dos milhentos textos dele. Quando ele escrevia, quando se sentia triste, mais enfadonho e com menos vontade de vier. Intitulado... "E agora?"

"Sentia-me só na encruzilhada das ruas londrinas, no meio daquela chuva imensa e daquele tempo nublado. Meti-me no computador e escrevi, falei com mais pessoas, expus o meu problema a pessoas que passam pelo mesmo. Mas nada deixava passar a mágoa que carregava dentro de mim. Com a grande bola de nervos, depois de um exame nacional, senti-a a aumentar cada vez mais e mais e mais e mais. Quem me tem parado já não me pára. Quem não falava comigo, passou a falar e aproximámos-nos um pouco. Mas continuo com medo. Sempre, medo atrás de medo, dia após dia, vírgula após vírgula, tema após tema, conversa após conversa, silêncio após silêncio. Continuo sem perceber, como é que dizem que o tempo cura tudo. Era noite, mas não conseguia estar ali. Queria sair daquela monotonia caseira que se tinha instalado na minha casa. Estou FARTO! Estou CANSADO! Tenho MEDO! Quero poder voltar ATRÁS! Mas não POSSO! E volto a começar a lagrimejar. Mesmo assim, saí de casa com grande velocidade. Com uma força de quem quer mudar e esquecer. De quem quer fazer uma maluquice.
Vou até à estação de comboios mais próxima e tento chegar à catenária. Quando estendo a mão, apita o comboio. Com o orgulho pessoal que tinha não consegui pôr fim ao que queria! E voltei a casa, mais sombrio, mais molhado e menos contente. As mãos tremiam mais, os pulmões expeliam especturação, e os olhos piscavam a grande velocidade. Voltei a casa, e encontrei chatices. A mesma chatice que me fez ficar assim, nesta monotonia, neste impasse entre a vida e morte que não quero mostrar-lhe; nesta vida que deixou, muita dela, de fazer sentido. Lembrei-me do que disse a uma das minhas professoras: "The life is nothing for me. My number one is dead". E voltei a ficar a um canto... Abanando o meu corpo contra a parede, escorregando até ao chão, chorando que me uma torneira de água salgada sem possibilidade de parar."

Carlos, ao acabar de ler o que tinha escrito há uns anos amarrota a folha e grita! Vem-lhe um ataque de tosse ensaguentada e toda a gente vem à porta do quarto dele. Mas ele não abre a porta. Ele quer ficar no escuro, sozinho, revoltado, porque entende que o passado ainda é o presente e o futuro vai ser o presente.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

O que será desta vez? (XXXIV) - Uma nova vida em Londres

Algo não estava bem, mas Carlos sabia o que era. Apesar de não ter tirado medicina, até percebia o que "aquilo" queria dizer... Sente-se frustrado e farto, porque não fazia nenhum sentido que tivesse aparecido o cancro assim de um momento para o outro. Ele comia rápido era certo, mas de modo nenhum, poderia ter um cancro como o tinha. Maligno, sem tratamento, quase em fase terminal.

Roberta vai à porta da casa-de-banho de serviço e procura alumínio... Encontrou um frasco de alumínio cheio com um líquido parecido à água, mas tinha um certo cheiro e o alumínio já estava a ficar corroído. A memória de Roberta não estava a compreender, mas todas aquelas indicações eram respeitantes ao hidróxido de sódio. Mais uma vez, regressa à mesa, onde, já estava de novo Carlos, a ler o jornal daquele dia. Como era de esperar as gordas eram acerca da sua demissão. Os artigos eram interessantíssimos. Tinham ido buscar o seu passado, para mostrar às pessoas como que um chefe máximo de transportes mestre em logística poderia sair assim sem mais nem menos e alistar-se à saúde.

Carlos pergunta a Roberta se quer ouvir um excerto da reportagem dedicada a ele, e Roberta, com entusiasmo responde que sim. Carlos começa a ler em tom médio: "Como alguém troca a electricidade do metro pelos hidróxidos dos laboratórios?".

Mal Carlos acaba de ler aquela frase Roberta grita "YES", porque tinha percebido o que aquilo era e pergunta a Carlos para que é que servia naquele jogo o hidróxido. Ele responde que era apenas para empatar tempo. E pede a Roberta para se centrar na pista do novo e do velho, que já tinha sido dada anteriormente.

A funcionária de serviço, Emily, bate à porta, e diz que está uma pessoa para ver Roberta. Carlos ausenta-se da sala e vai para o quarto. Roberta toma a posição na sala de imprensa e manda entrar a pessoa que lhe queria visitar. Era um colega dela de internato, dizendo que ela se tinha esquecido da bata no hospital e que estava passada à última cadeira do internato.

O cancro de Carlos tinha-lhe dado tréguas enquanto ele estava no quarto, mas ele, já sob os lençóis da cama,  começa de novo a pensar e a chorar. Qual seria o motivo? O do costume? O cancro? Ou seria algo novo?

terça-feira, 13 de julho de 2010

A cor e os números (XXXIII) - Uma nova vida em Londres

Roberta questiona a razão da recusa e Carlos responde-lhe com bom modo e de forma directa para que se lembrasse das férias do 11.º ano. De seguida, pedindo desculpa a Roberta, saiu do quarto e foi à sala das funcionárias, dois pisos abaixo de onde estava. Foi buscar o correio que lhe pertencia. Naquele dia tinham-lhe escrito mais do que 50 cartas. Umas a criticar, outras a agradecer o trabalho que fez à cidade, mas a trigésima segunda chama-lhe em particular à atenção.

Era uma carta do hospital onde ele esteve internado, dizendo que, se ele estivesse interessado existia uma vaga na gestão do hospital e, com as referências que ele tinha, teriam muito gosto em tê-lo como membro do conselho de administração.

Carlos, após ler a tal carta, sobe até à sua nova sala e escreve mais uma pista para o desafio de Roberta, contendo o seguinte:

" Quando o velho se tornar novo, o meu último desejo tornar-se-á possível. Aí, serei como um computador em substituição das memórias RAM. E que tal os passos que dás até ao quarto forem compensados em passos para a casa-de-banho de serviço, desde a entrada e verificares este código: 341."

Coloca-a na mesa de cabeceira de Roberta e começa a responder à carta do hospital dizendo que aceite a proposta que lhe enviaram por correio, mas que o tempo que iria trabalhar dependeria do avanço da sua doença. Como era hábito, imprime duas vezes a mesma resposta, mas, como o tinteiro da impressora estava a terminar, aquela que mal se via ficou na impressora. Roberta, curiosa com a pista e à procura de Carlos, vai ao seu ex-escritório e lê a carta que tinha ficado mal impressa. Conseguia ler, mas quando chegou à parte que falava das condições do trabalho, tornava-se tudo ilegível.

Por outro lado, a primeira carta, aquela que tinha ficado bem impressa, estava na companhia de Carlos, a caminho do hospital, desta vez, de autocarro. Sem contar a Roberta, e sem telemóvel, devido à raiva que tinha tido anteriormente, volta rapidamente a casa. A sua amiga, por sua vez, estava com a pulga atrás da orelha. Não só não percebia o que a mensagem para decifrar dizia, bem como estava intrigada com o que Carlos tinha escrito para o hospital. Começou a pensar o que quereria dizer 341 na casa-de-banho de serviço. Mas lembrara-se que Carlos, ao gostar de códigos e de química, algo tinha de estar relacionado.

Ao jantar, Carlos apenas comeu canja e uma peça de fruta. Não tinha vontade para mais. De rompante, Roberta pergunta-lhe o que significava 341 na química para ele. Tímido e com a mão nos intestinos responde que é Al3, ou seja, Alumínio. Ausenta-se de repente e, ao chegar a uma das casas-de-banho da casa, vê que os resíduos corporais eram de cor negra. Algo não estava bem...

You don't need him, but he needs you (XXXII) - Uma nova vida em Londres

Passou uma semana e chegou a hora de Carlos abandonar o hospital. Já quase recuperado do seu distúrbio por causa do nervosismo, a pressão arterial, os batimentos cardíacos, e a cor de Carlos já eram mais normais de um ser humano adulto e dito normal. Chegou ao casarão de Roberta, e com todo o carinho vai para a sala das conferências de imprensa. Ainda com a roupa que o hospital lhe tinha dado, uma vez que veio de ambulância, acompanhado por Roberta até casa, pede ao canal estatal para entrar em directo dentro de instantes. Após o genérico guardado de propósito para as conferências acerca dos transportes e figuras públicas do estado, aparece Carlos com o catéter no braço esquerdo sentado numa cadeira, a cadeira dela. Dedicou ao país o seguinte:

" Caros Cidãdos Londrinos. Fui insistente para com a cidade de Londres, mas está na hora da verdade para ambos os lados, para mim e para v. Exas. É com pesar que decidi pedir a demissão do cargo de Senior Manager da TfL. Foram meses de intensivo trabalho para com a cidade de Londres, mas o medo do fim do contrato e com o que se passou comigo nas últimas semanas, não me sinto apto para continuar neste cargo de alta importância para a cidade. Agradeço a todos a compreensão que tiveram durante meses atrás meses de obras de remodelação, mas quero, dar-vos, ainda, uma notícia.
Na próxima semana, todas as linhas de profundidade reduzida terão as obras de remodelação concluídas.
Obrigado."

Mal acabou de fazer uma declaração pública, sente-se molhado junto à boca. Era mais uma lufada de sangue. Carlos tenta esconder todos os indícios de que havia ali sangue. Ao conseguir, tira os sacos de lixo daquela sala e leva-os para o escritório, onde tinha de esvaziar toda a secretária e passar para a Sede da TfL todos os documentos de novo. Parecia desanimado, porque o tempo com os documentos ali não chegou a compensar o trabalho que teve a transportar tudo para sua casa. Mas a força de vontade venceu tudo naquele momento. E Carlos conseguiu encaixotar tudo e enviou-os para o seu sítio respectivo. Ainda com algum dinheiro no banco, remodela por completo o escritório, e troca o tema "Transportes" pelo tema "Química e Biologia", transformando o escritório numa sala de lazer, com uma vertente mais prática, com um microscópio, com uma cadeira rolante, torneira de laboratório e termoacumulador. O que não faltava naquela sala completamente era uma colectânea de fotografias onde mostrava ao longo das quatro paredes, o crescimento dele e em seu par, o de Roberta. Ele achava aquilo tão bonito e querido.

Ao sair tranca a porta da renovada sala e dirige-se para o quarto conjuntamente com o chefe da manutenção e obras do casarão. Pede para que coloque cimento na passagem secreta que existe entre os quartos de Roberta e de Carlos, mas ele pede ao Mr. Hocckins, um cimento especial, um cimento que possa ser fácil de destruir no futuro.

Após o cimento na parede do quarto, que fechava por completo a passagem secreta, Carlos dá uma gorjeta de 5£ ao chefe da manutenção e um abraço de agradecimento.

O chefe sai do quarto e Carlos olha de novo para os exames médicos que lhe fizeram no hospital. Havia algo que não estava bem e ele sabia o que era: Cancro do Estômago, pela má alimentação que tinha tido nos últimos anos.Roberta não sabia, porque  Carlos pediu ao médico para não dizer nada a Roberta. Ele deita-se na cama, na posição fetal e, com uma cara triste, olha para o telemóvel que tinha desde o início do secundário. Atira-o para o chão, partindo o visor e as teclas. Ele não queria ver mais o telemóvel. Ele estava bem, e o negro telemóvel deixava-o stressado!

Passa-se horas ali, naquela posição e quando chega Roberta ao quarto, vê o telemóvel destruído no chão e à frente dela Carlos destrói o telemóvel da TfL. Acrescentado de seguida que não recebe o cheque de volta.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O outro lado da questão (XXXI) - Uma nova vida em Londres

As pupilas estavam em boas "condições". O organismo de Carlos tinha explodido com tudo aquilo, dando um sinal que chegava de todas as chatices e choros. Ao sentir o quente corpo de Roberta perto dele, Carlos aconchega-se e já se sente melhor. O médico não lhe deu alta durante uma semana. E durante essa semana, todos os dias, Roberta palmilhava Londres para ir ao hospital onde Carlos estava, estar um pouco com ele e, de seguida, ir para casa. Num desses dias, ao chegar a casa, chama Emily ao seu gabinete e tem uma conversa com um tom ríspido com ela.

"Não fale enquanto eu não lhe der autorização. Sabe uma coisa, eu e o Eng.º Carlos temos uma relação de amizade muito pegada, muito nossa e eu não permito que pessoas de fora venham dizer o que eu devo dizer ou falar. Se eu lido assim com ele, é porque acho que é a melhor forma de lidar. Se eu não respondo, é porque acho que não devo de responder. Carlos já me deitou muito abaixo. Fez coisas que eu nunca pensei que fizesse, foi egoísta, egocêntrico, injusto muitas vezes comigo. E eu, sempre o desculpei e lhe dei uma segunda oportunidade. Eu noto o que Carlos tenta fazer, que ele sente por mim, e eu sei o que sinto por ele. Mas não admito que se metem entre nós. Não posso dizer que o Carlos não é importante para mim, porque o é. Mas tudo tem conta e medida. E ele sabe disso. Ele sabe que a partir de determinada altura não me sinto bem. Pode-se retirar".

Roberta não deu hipótese de Emily contrapor nada. Após ter conversado com a funcionária de serviço à noite, sai do gabinete e vai para o quarto de Carlos. Dorme lá naquela noite. Aconchegada com os lençóis fofos e macios do ex-chefe da casa, imagina tanta coisa que não sabe o que fazer. Conclui que prefere manter o silêncio e Carlos terá de respeitar isso. Carlos continuava no hospital, naquele espaço branco, fechado e um pouco claustrofóbico. Desejava estar com Roberta e poder sorrir ao lado dela uma vez mais. Mas ela não estava lá naquele momento.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

O sofrimento marcado no chão de algo límpido (XXX) - Uma nova vida em Londres

O vómito que se avizinhava era o último. Emily entra no quarto de rompante e diz que já chamou uma ambulância. Quando esta chegou, foi-lhes dito que Carlos iria ser levado para o St. Mary's Hospital. A noite parecia infindável. No meio de Londres, a ambulância velozmente chega ao dito hospital. Carlos, durante o trajecto na ambulância, desmaia, não recuperando a lucidez no trajecto referido.

Emily, preocupada, segue o ex-chefe dela até ao hospital e pede para o visitar na enfermaria. Ninguém tinha visto Carlos assim. Com soro intravenoso, desfalecido e de olhos fechados sem quase vitalidade nenhuma.

A chefe da casa de Carlos, agora de Roberta, puxa-a pela mão até ao corredor do piso e fala com ela, num tom mais agreste.

"Já viu o que fez ao Eng.º Carlos? Ele adora-a, ele faz tudo por si, ele esforça-se para que não perceba que está mal. Ele desabafa consigo tudo, porque não encontra ninguém tão bom como si, ele não tem mais amigos iguais à Drª.  Ele quer falar consigo acerca de algo, que eu não sei o que é, mas não consegue, porque tem medo, porque já sabe que não lhe irá responder. Ele chora imenso. Ele, quando pensa no futuro, longe de si, mal consegue viver. Em casa, por baixo do quarto de Carlos, ao lado do seu, é o quarto das câmaras de segurança. Nunca reparou nisso, porque eu nunca utilizo essa porta. E, nas câmaras, vejo-o, na maioria das vezes, a chorar, ou a preparar algo para si. Ele admira-a bastante. Mas sente a sua falta, muitas muitas vezes. Pense bem o que fez ao Carlos e deixe o passado de lado. Eu sei o que se passou, ele contou-me quando chegou, naquela noite, todo amarfanhado e mal cheiroso. Se me permite, pense nisso. Não magoe mais Carlos por favor."

Carlos tosse na enfermaria, saindo ainda umas golfadas de sangue, mas em número muito reduzido. Emily, por respeito, aperta a mão de Carlos e Roberta, mesmo sendo médica, grita por ajuda. Carlos diz ainda a Roberta, para ela não se esquecer dos envelopes do "jogo" e para não se esquecer também do último pedido dele: que, se ele entrar em coma, não lhe prolonguem a vida. Deixem-no ir.

O médico chega e diz o que se passou com Carlos. Foram situações de stress acumuladas em excesso. Ele estava a aguentar muitas situações há muito tempo e o seu corpo necessitou de dizer basta de alguma maneira.

Ele pode parecer bem, mas por dentro, quase afirmo, com muita certeza que sente um vazio. Sente falta de algo. Algo que ele sabe que lhe pode ser dado, mas  que não o é, acrescentou o médico.

Emily, após ouvir o que médico lhe disse, retira-se e regressa a casa, enquanto que Roberta vai falar com o médico. Este com ela é mais profundo. Diz-lhe que Carlos tem um grande quadro depressivo, originado por acumulação de stress em demasiada. Acrescenta ainda que não pode ser algo recente, mas sim, algo que vem muito de trás, há largos anos.

Roberta agradece o que o colega lhe diz e vai para junto da janela. Abre-a e vê a monotonia dos tijolos de cor igual que delimitava a outra ala do hospital. Ela começa a pensar, mas não diz nada. Carlos continua a dormir, após ter acordado com o ataque de tosse, mas deram-lhe um tranquilizante forte. O coração de Carlos era audível quando Roberta estava ao seu lado sentada na cadeira junto à cama. Batia fortemente. Roberta achava que Carlos estava a pensar nas causas da sua depressão, dos seus ataques de choro, do que sentia a falta. E quando Carlos, mai tarde, já de manhã, acordou, estende a mão para Roberta a apertar.
Esta não o faz, mas Carlos, como estava fraco, deixa-se mais uma vez dormir e não percebe tal acção. Nota-se, mais tarde, lágrimas a sairem dos olhos de Carlos, quando Roberta os abriu para verificar se as pupilas estavam em "boas condições". Ela ficou pasmada com o resultado.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Os ditos do passado são cada vez mais as verdades do presente (XXIX) - Uma nova vida em Londres...

Após as lufadas de arroz misturado com suco gástrico vêm vómitos de sangue, compassados de forma regular, a sair pela boca. Roberta tenta ver a pulsação de Carlos e esta quase que nem se sentia. A regularidade dos vómitos sanguíneos continuava; a cara de Carlos estava branca... Ele tenta dizer algo, mas Roberta não percebe. Mais tarde, os vómitos tranquilizam de novo e ele deita-se. Mais tranquilo, com o pijama sujo de sangue e molhado por se ter limpado este, e com a face mais rosada, Carlos pede um carinho de Roberta. Ela dá-o, e ele tenta, ainda com alguma dificuldade dizer-lhe algumas palavras: "Não me quero separar de ti outra vez. Parece que adivinhas o futuro e eu não quero. Não quero ter de voltar para Portugal e sentir a tua falta. Não quero separar-me de ti. Quero estar contigo. Quero sentir a tua presença, sentir as tuas pernas quentes, sentir o bater do teu coração junto do meu corpo. Não te afastes. Não me deixes mais uma vez sozinho. Não me faças chorar mais! NÃO QUERO! Eu escondo-me em casa e choro por não ter sido sincero para contigo este tempo todo. Não vás embora, por favor."

Roberta não responde. Suspira apenas e continua a fazer festas na cabeça e a tentar tranquilizar Carlos. Mais uma vez, ele repete, não te esqueças de mim, se eu tiver de ir embora, por favor.

Carlos mais uma vez fraco, começa a tremer os lábios e os braços. Com o "treme-treme" aponta para a estante dos livros de logística.

- Vai lá e tira o livro do meio. Depois....Depois roda o que está por de trás do livro e empurra a prateleira para um lado. Com...Com...Conseguiste?, disse Carlos

- Sim, respondeu Roberta.

- Agora sobe dois degraus e abre a tapa que aí está. Está aí... um che.....um cheque e por baixo uma caixa. Traz-me as duas coisas por fa....favor, disse engasgado Carlos.

Roberta põe ambos os pedidos em cima da cama, ao lado de Carlos e ele, dá-lhe o cheque com o papel que estava dentro da caixa. Roberta leu-o em voz alta:

"Lembras-te quando não querias que eu gastasse dinheiro contigo? Eu guardei dinheiro e, agora, que estou quase a ir-me embora, está aqui. É teu. Keep smiling"

Ela deve ter percebido que Carlos não estava em condições de nada e deixa-o tranquilizado, guardando ambos os papéis no bolso.

- Agora, a caixa, por favor. Está aqui uma arma. E por baixo está a licença e mais umas memórias nossas. Usa-a se precisares para te defenderes, disse Carlos.

Antes do início do vómito que Carlos sentia que aí vinha disse, já com baba na boca: "Mais uma vez, não te esqueças de mim. Que eu vou-te sentir sempre comigo".

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A dor de cabeça na secretária e o olhar em frente (XXVIII) - Uma nova vida em Londres

Assim Roberta o fez. Partiu o porquinho mealheiro e vê outro papel. Lê-o em voz alta:

"O Dinheiro não é o mais importante na vida. Mas sim a própria vida. Lembra-te dos meus desejos e pensa na realidade mais subjectiva possível. De facto o que é novo, vem de alguém já usado".

Ela, ficou muito mais confusa após ter lido aquela pista. Sentou-se no chão e desejou não estar ali e ter de resolver aquele enigma. Mas ela tinha de o resolver. Viu a cara de Carlos quando ele lhe entregou o primeiro envelope. Parecia de tristeza. A razão? Ela não a sabia.

Nas imediações daquela divisão, trabalhava ainda, Carlos. Decide, porém, terminar por aquele dia o trabalho e pôs-se a olhar à janela. Liga para os pais de Roberta. Tem uma grande conversa com eles e dá a perceber o que se irá passar. Quando desliga a chamada corre para o quarto, e por sua vez, deste para a sua passagem secreta. Roberta, tenta mais uma vez falar com Carlos, mas quando entra no quarto ouve o barulho de uma porta a fechar. No entanto, não se apercebe do que era. Sobe para o quarto e vê lá Carlos. Inicia-se naquele momento, de novo, uma grande cumplicidade. Ouve-se a frase "Vamos deixar de ser parvos" e ouvem-se beijos de forma tão tenra... na barriga de ambos. Riem perdidamente após tal "chuac" e voltam-se para a janela. Comentam o tempo que estava negro como a noite portuguesa, frio como a neve em Andorra, os vidros embaciados como a porta da banheira em Portugal.

Depois de se arranjarem, Carlos pede a Roberta para o acompanhar à sala das conferências de imprensa, na qual estavam, àquela hora, todos os funcionários da casa:

"Meus senhores e minhas senhoras. Tenho uma decisão a comunicar-vos. A partir de amanhã, não serei mais responsável pelo vosso trabalho. Ao meu lado está a vossa nova chefe. Quero-vos agradecer todo o trabalho que tiveram para comigo e em especial com o meu quarto e a paciência que tiveram por causa das obras. Mas o fim do meu contrato aproxima-se e, pelo sim, pelo não, quero ter a certeza que continuam a ter trabalho, que continuam a receber mensalmente, que conseguem ter algo que muitos não têm neste momento: harmonia na sociedade. Bem-haja a todos".

Carlos sai de rompante da sala e tranca-se no gabinete, longe de todos, longe de tudo, menos do trabalho. Pegou mais uma vez no monte de assinatura e começa a colocar o carimbo da sua assinatura. Desta forma, quando ouve passos, diz: "Podes entrar - estou no gabinete". Era Roberta e Emily. A primeira chorava, porque Emily tinha-lhe contado que Carlos tinha estado durante um mês numa estação de metro. A segunda sentia-se preocupada com o ainda chefe, porque adorava-o. Por sua vez, Carlos pede a Emily para se retirar, visto que quer falar com a companheira de casa. Abre a gaveta do meio da sua secretária e mostra-lhe os exames que fez em Portugal quando teve uma apendicite. Roberta viu-os e disse que era melhor Carlos ir já para o hospital. Ele recusa e mostra-lhe a costura que ela não tinha reparado quando o tinha beijado na barriga. Depois disso, Roberta ausenta-se da sala ainda com uma cara triste e Carlos continua a carimbar os documentos com mais firmeza, parecendo uma funcionária de correios.

O que restava do dia passou-se. Com a noite, vem um desejo enorme de sair e satisfazer a grande vontade dele - andar no metropolitano a altas horas da noite. Mas não consegue. Vem-lhe um vómito de tal maneira forte que o manda para a cama. Mais tarde veio a febre altíssima. O que lhe valia era uma médica em casa. Já na cama, de mãos dadas, pede um abraço a Roberta e quando esta o larga sente o coração de Carlos a bater suavemente, mas ele tinha-se deixado dormir. Ela sendo mesmo médica, começou a pensar o pior. "Será que ele me morreu nos braços" disse Roberta, seguido de um grito enorme.

A funcionária de serviço chega rapidamente ao pé de Roberta e tira-a do quarto, mas esta fica ali, à porta, a noite inteira, até que ouve a porta da casa-de-banho a abrir. Agora tinha a certeza que Carlos estava acordado. Vai ter com ele e ouve: "Pensa em mim para a pista, no que eu queria. No que eu fiz. No que eu desejava e sonhava". Carlos voltou a vomitar, após ter terminado a palavra sonhava, deixando Roberta com a mão toda suja de arroz misturado com suco gástrico e com ligeiras gotículas de sangue. Estaria Carlos bem?

sábado, 3 de julho de 2010

O renascer e o morrer em tempos iguais (XXVII) - Uma nova vida em Londres

Carlos ficou contente por Roberta ter assinado o papel que passava o casarão para o seu nome. Ele queria assegurar que se a TfL não lhe renovasse o contracto, Roberta poderia continuar na casa onde estava agora, porque ela merecia viver e trabalhar num sítio daqueles com todas as condições. A chover torrencialmente lá fora, o quentinho da casa fazia com que os vidros ficassem todos embaciados e a escorrer água. A manhã foi passada com tranquilidade. Carlos no seu escritório e Roberta no hospital.

Chega-se à hora de almoço. O dia da comida inglesa e do pouco apetite de Carlos era mais que óbvio com a quantidade de assuntos que tinha para trabalhar e terminar naquele dia. Roberta bate à porta do gabinete de Carlos e chama-o para almoçar. Almoçam os dois juntos, cada um na sua cadeira, ao lado um do outro, a olhar para a grande janela que dava para o grande largo onde se situa o National Bank of England. Cada vez mais os suspiros eram evidentes nos dois. Cada sorriso mais confiante que o anterior puxava para cima o ânimo daquela sala multi-funções. Ali almoçava-se, via-se televisão, filmes, trabalhava-se no computador, e era por ali que o chefe dos transportes tinha acesso à sala das conferências de imprensa. Foi ali, naquele sítio cheio de quadros com paisagens lindas tipicamente portuguesas, especialmente alentejanas e algarvias que agora se iria colocar uma grande fotografia daqueles dois, juntinhos.

A refeição termina e Carlos puxa Roberta para a sala das conferências de imprensa. Um espaço amplo, cheio de luz, com grandes janelas fechadas com um comando automático, onde não estava nenhuma câmara de filmar naquele momento. Ali dentro estava calor. Ambos tiram a parte superior da roupa, mantendo-se a postura de Roberta com o soutien. Carlos sente um tocar na perna e Roberta abana a cabeça - Carlos beija-a no pescoço. Aí ele sentiu-se cada vez mais atraído por aquele corpo esbéltico. Aquela perfeição. Aquele pesoço maravilhoso. Carlos queria estar com Roberta, como esteve naquele jantar do dia passado. Pediram às funcionárias para trazerem a televisão da sala de estar para a sala de imprensa para verem a estreia em televisão de um dos filmes mais conhecidos por eles. Roberta deita a sua cabeça nas pernas de Carlos. Este não se importa e passa a mão pelos cabelos castanhos e fofos dela. A cumplicidade era elevada.

Roberta sem mais nem menos beija a anca de Carlos, que tinha ficado à mostra, uma vez que, este não usava cinto nas calças em casa. As coisas estavam cada vez mais quentes, mas ambos deixam-se dormir. Quando acordados perguntam-se um ao outro o que estavam ali a fazer semi-nus. Acordaram apenas com a roupa interior. Admirados, cada um segue par ao seu quarto com as calças do avesso. Carlos esconde-se uma vez mais na passagem secreta. Abana-se para a frente e para trás e pensa no que fez. Ele tinha de ir trabalhar e assim foi. Abstraiu-se do pensamento e dirigiu-se ao seu escritório. Chegou lá, mas não conseguiu trabalhar. Carlos foi rever todas as memórias uma vez mais, até que alguém lhe cortou a corrente eléctrica.
Foi Roberta. Aproveitando o acontecimento, Carlos chama Roberta aos gritos para que esta venha ter com ele. E expõe-lhe a situação.

Nos trinta minutos seguintes, naquela sala, com a porta aberta falou-se da questão do nome da casa e por isso é que Roberta assinou um papel, da questão do novo gabinete médico para Roberta e do fim do contracto de Carlos. Este, um pouco mais triste, é destressado por Roberta com uma doce massagem nos ombros e com um tenro beijo no início das costas. O chefe de casa agradece e lembra a amiga de que existe uma terceira sala naquele espaço, decorada com um berço na porta. Carlos diz o seguinte a Roberta:

"Aquela sala é especial para mim. Não por ser um espaço para tratar de bebés, mas pelo seu conteúdo, pela sua cor, pela sua arte. É um espaço cheio de desafios onde vais ter de encontrar um tubo. É esse tubo, bem guardado naquela sala que te vai dar sorte para o resto da tua vida. É como um renascimento que vás fazer quando o encontrares."

Roberta fica desejosa de saber o que se iria passar. Tendo em conta isso, Carlos dá-lhe a chave daquela porta e uma carta onde estava a primeira pista para ela encontrar o dito tubinho. Cheia de vontade, e com o Sol a raiar pelas janelas daquele palacete no meio da cidade, a amiga sai de casa e, já na rua, lê a primeira pista.

"De facto, é algo emocionante que me fez transpirar. É tão bonito! Entra volta três vezes à esquerda e remexe quartenta e cinco vezes nas moedas que estão no na caixa. Cada mexidela deverá ser mais funda de forma a que encontres a tua segunda pista".

A cara da desafiada fica muito mais sorridente e o desejo de voltar a casa é enorme. Ela ia às compras.

Já por casa o trabalho não dá tréguas a quem mais necessitava delas. Estudos atrás de estudos, assinaturas atrás de assinaturas, panfletos atrás de panfletos era o que estava na recém-inaugurada secretária de Carlos.

Roberta, já de volta a casa, após cinco horas de centro comercial, pega na chave e deslumbra-se com o que encontra naquela sala. Tudo preparado à minúcia para algo de futuro. Ela fez o que estava na pista, mas apenas encontrou uma moeda diferente das outras. Retirou-a e olhou para o resto da divisão. Encontrou um mealheiro que estava por baixo de um carrinho de bebé, bem como um martelo dentro do próprio carrinho, com uma indicação: "Abre-me!"

Do cimento às paredes camufladas (XXVI) - Uma nova vida em Londres

Estaria alguém naquele quarto. Abriu os armários e os locais que poderiam ter alguém escondido, mas nada. Apenas conseguiu sorrir com ar maroto, porque havia descobrido utensílios de Carlos que lhe diziam muito; Roberta não tinha ido espreitar à prateleira dos livros de logística, mas ouve um outro espirro e outro. A escada tinha a luz apagada, para não dar nas vistas, e por isso, era fria, escura e nada acabada. Era como nos centros comerciais de Portugal: tudo o que é acessível ao público é muito arranjadinho, mas a parte da administração e as saídas de emergência são inacabadas com cimento à mostra.

Carlos sobe as escadas e com a chave que tinha no bolso abre o cadeado que trancava a entrada para a passagem do quarto de Roberta. Fica a meio do corredor e tenta acender a luz num dos três interruptores que a escada tinha.

Como não ouviu mais nada, Roberta segue para o quarto dela e abre a segunda gaveta onde ela guardava os textos que tinha de reler e que lhe faziam sentir bem, ao contrário dos textos guardados na primeira, que eram meramente informativos ou mesmo lixo. Carlos aproxima-se, apesar de dentro da passagem, da entrada do quarto de Roberta, onde a consegue ouvir; ficou deliciado, parecia a pessoa que ele tinha conhecido, que fez provas de Educação Física com ele; parecia a pessoa que ele beijava na testa e que queria ter como irmã. Aquela respiração leve, mas carregada de ânimo enchia o quarto e agora a passagem secreta, deixando um espírito de satisfação no ar. Depois de Carlos estar quase a abrir a porta para ver o que Roberta estava a fazer, este decide regressar ao seu quarto e adaptar minimamente a escada secreta a um sítio acolhedor onde ele pudesse viver, trabalhar e estar mais perto de Roberta. Aquele sítio escuro tornou-se um sítio perfeito, com cor e ânimo próprio. Parecia alguma combinação para que alguma acção futura de ambos se passasse ali, naquele sítio.

Finalmente Carlos acaba de arranjar a passagem secreta e sai. Desde o regresso que tomava as refeições na sala das funcionárias, contrastando com Roberta que continuava a jantar na sala ao lado do quarto de Carlos. Naquela noite, o chefe da casa surpreende Roberta com companhia ao jantar. Mas não foi uma simples companhia. Foi um jantar diferente. Ambos partilhavam a mesma cadeira. Ambos partilhavam os mesmos talheres, ambos comiam às prestações, mas cada um punha a comida nos talheres para o outro. Ambos, após o jantar, referiram que não queriam confundir as coisas, porque queriam apenas experimentar aquilo. Como se sentiriam naquela situação, a comer com o mesmo talher, estarem na mesma cadeira, neste caso, Roberta sentada nos joelhos de Carlos.

As horas iam passando, e cada um, voltou para o seu quarto. Carlos, após vestir o pijama utiliza a passagem secreta e vai ao quarto de Roberta, onde, já com a luz apagada, a beija na testa. Após tal acção regressa à passagem, trancando a entrada do quarto dela e, de seguida, dirigiu-se à sua cama. Soltou uma lágrima, mas pensou que no dia seguinte iria trabalhar em casa, na sua nova divisão que estava desde Dezembro em obras, que ninguém se tinha apercebido de tais mudanças.

De manhã, cedinho, Roberta sai do quarto e vai ter com Carlos. Acorda-o e, de seguida, pergunta-lhe se quer. Carlos responde que sim e ela dá-lhe um beijo no nariz. Eles levantam-se e dançam uma grande valsa naquele quarto enorme.

Passam-se horas e Carlos redopia com Roberta pela casa, para uma zona que ninguém sabe que existe. Onde vê três portas. Uma com o símbolo da TfL, outra com um símbolo de uma chucha e uma terceira sala com a imagem de um estetoscópio na porta. Carlos diz a Roberta, abrindo a porta ao mesmo tempo, que ali vai ser o gabinete dela, após ter acabado o internato. Ela agradece abrançando-o enormemente, mas repara que na secretária está um papel semi-escondido a dizer "Assina aqui!". Carlos retira-se e, Roberta assina o papel. O gabinete de Carlos era de paredes camufladas com todos os transportes possíveis de Londres, constrastando com as paredes brancas do consultório de Roberta.

Esta grande amiga de Carlos, questiona-se porque é que aquele papel estava ali. Não conseguia mexer nele, não o conseguia tirar dali, não conseguia visualizar o resto das folhas. Continua intrigada com tudo aquilo e vai ter com o seu grande amigo Carlos vestida de bata branca e responde sim. Carlos beija-a na orelha.
Roberta vai para o quarto, mas continua a pensar naquele papel. O chefe da casa vai ter ao consultório de Roberta e tira o papel que tanto afligia Roberta, com o truque do costume.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

A escada da luz e o sorriso da dúvida (XXV) - Uma nova vida em Londres

Mas nunca chega a fazê-lo. O orgulho pessoal era máximo para Carlos, mas as dúvidas e os sentimentos que ele escondia também o frustravam e o deixavam cada vez com mais dúvidas, mais vontade de mudar tudo, de finalmente poder dizer o que realmente se passava naquela cabeça, mas, mais uma vez, lembrou-se do passado.

Achou melhor, deixar-se entrar na onda, da qual ele estava a tentar sair, e não se preocupar com silêncios; deixar as conversas correrem e não se chatear, apenas tendo cuidado com isto ou com aquilo - mas as questões perduram sempre. Assim fez deixa a estação de metropolitano abandonada. Ele tinha ficado ali mais de um mês. Estava completamente desgastado, cheio de fome e quase que nem podia andar. Foi sorte naquele momento avistar-se na linha o comboio da limpeza, algo que ele tinha introduzido para dar a entender às pessoas que o metropolitano londrino é algo limpo, apesar de antigo. Manda parar o comboio com a sua frágil mão e com a roupa já comida e com cheiro a transpiração e a ratos, e identifica-se. Mostra o cartão como é o Senior Manager e para o confirmar, o maquinista do comboio da limpeza obrigou-o a fazer a prova das impressões digitais na máquina que cada cabine de comando tem para se controlar a entrada e a saída dos maquinistas.

Após tal confirmação, a viagem começa e Carlos pergunta as horas. Estando ali um mês fechado, quase sem Sol, apenas com luzes do metropolitano era difícil saber a que hora do dia estávamos. Mas rapidamente responderam que era madrugada, mais precisamente 02h43. O frágil Carlos, pede a gaguejar e quase a cair de fraqueza para lhe deixarem na Estação de Bank ou na de Monument e que pedia a um dos ocupantes que o acompanhasse até casa. Assim foi. Carlos juntamente com um dos ocupantes do comboio batem à porta das traseiras onde estava situada a entrada dos funcionários. Rapidamente a guarda-nocturna da casa do chefe dos transportes de Londres abre a porta e prepara um pedaço de maneira para bater À pessoa se não fosse de bem. Carlos, com uma voz fraca, diz:

- Emily é o teu patrão, vê.

Mostrando-lhe de seguida a identificação. Emily desconfiada deixa que Carlos entre em casa e começa a fazer perguntas. Carlos não tem força para responder, mas pede um banho. Rapidamente ouvem-se as torneiras da casa de banho das funcionárias a deitar água, para que o chefe da casa pudesse tomar banho. Assim foi, depois de um banho e de Carlos ter feito a barba, e claro, de se ter penteado e vestido a roupa de dormir, já parecia ele. Implorou comida para de seguida se ir deitar. A funcionária que estava com ele, nada experiente na comida portuguesa, mexe uns ovos e dá-lhe juntamente com umas batatas fritas feitas à pressão. Carlos comeu tudo. Naquele mês que ele tinha passado na estação de metro abandonada tinha aprendido que tudo é comida, desde que seja comestível.

Ainda cansado o chefe da casa pede a Emily que não comente esta situação com ninguém, porque no dia seguinte explicar-lhe-ia a situação. Além disso pede ainda para não contar nada a Roberta, e para trancar a porta do quarto de Carlos. Ele deitou-se, mas, acordado com as primeiras horas da manhã e ainda com fome desce à sala das funcionárias e toma o pequeno-almoço. Encontra Emily e explica-lhe o que se passou. Pede de novo para não dizer nada a Roberta, porque ele não se sentia à vontade para lhe explicar tal razão.

Já com algumas forças, escreve com uma má caligrafia um bilhete que coloca debaixo da porta do quarto de Roberta, onde ela ainda dormia.

"Olá. Não fiques preocupada porque está tudo bem comigo. Saí, há um mês sem te dizer nada, porque precisava de resolver uns assuntos do departamento para o qual trabalho e no lugar onde estava não tinha rede. Este mês fora fez-me pensar em muita coisa, amiga. És super misteriosa comigo. Eu entro no teu jogo, na maioria das vezes, mas cá por dentro, dano-me pelo teu silêncio em vez da tua desconversa. É como que preferisse ouvir um "não quero falar disso" em vez de ver a tua boca calada. Por cá soube que estava tudo bem e que estás quase a concluir o internato. De certeza que te vão contratar. O meu contrato acaba em Setembro depois das férias e nós, já estamos praticamente em Abril.

PS: Não me procures nem vás ao meu quarto por favor. Deixa-me assentar as ideias que trouxe da viagem, se não te importares."

Roberta leu com normalidade o bilhete e deixou-o guardado na mesa da cabeceira, na primeira gaveta. Reparou, dez minutos mais tarde, por volta das oito horas da manhã que o céu estava azul, algo raro em Londres, e também, que, por debaixo da porta tinha outro papel. Apanha-o, e abre a porta de rompante. Vê várias funcionárias a prepararem-se para a limpeza diária ao longo corredor e à escada. Mas não olha para o lado, onde, com uma respiração ofegante, estava Carlos.

Ela fecha a porta e põe-se a ler o novo bilhete que alguém tinha deixado para ela. Intitulado : O que é amar?

Podemos até descrever o mundo e o Universo, mas amar é algo que não é fácil e que nem deve ser. Toda a gente começa com uma simples química, mas essa vai-se aprofundado, os conhecimentos aumentam e a relação torna-se mais forte. O simples facto de dizer amar não implica, de nenhuma forma,  o namorar ou o querer estar de mãos dadas quase que permanentemente. Mas, antes disso, é uma palavra de carinho, de importância e de confiança. Esse sim é um amar verdadeiro. O gosto é que se reflecte na parte do namoro e da relação mais séria. Faz-me confusão ter deitado tudo a perder, mas deixei, era como uma criança nessa altura. Depois, vi-te com um limite interposto num patamar tão elevado e fácil de alcançar que deixou com vontade de chegar lá acima. Porém, não consigo. Fico sempre um ou dois patamares abaixo e começo a rosnar comigo próprio. Sem culpa, começo a pensar que tu é que tens a culpa, porque tu é que introduziste esse limite estúpido. Mas está bem feito e se te sentes bem nele, boa!

Perguntas-me agora, de certeza, se eu te amo. É difícil de dizer que se ama uma pessoa, muito difícil mesmo, pelo simples facto de que, mesmo entre namorados, quando é sentido o acto de se dizer que se ama, é difícil. Lanço para o ar um grande suspiro respondendo depois dele, não sei."
Após a leitura, Roberta guardou o texto na segunda gaveta da mesa de cabeceira. E foi ter com Carlos ao seu quarto. O que ela não estava à espera era a existência de uma escada de segurança que ligava ao quarto de Carlos ao quarto de Roberta, e, onde agora, estava Carlos, chorando e lacrimejando, alternando com uns sorrisos. Ele queria algo, se calhar sentir-se livre e esclarecer as dúvidas, mas quando ouviu chamar pelo nome, levanta-se com ânimo e responde, "sim". Roberta abre a porta, mas não vê ninguém. Apenas algumas manchas de terra dirigindo-se à prateleira dos livros de logística de Carlos e, passado uns momentos ouviu um espirro. Ficou perplexa a pensar o que se passaria naquele quarto.