Marco saía todos os dias de manhã, com todas as cores na paleta que ele mais gostava: quadrada, enorme, onde conseguia juntar cores até dizer basta. Aquele rapaz pegava na trouxa e caminhava sem rumo até a um ponto qualquer, marcando sempre o chão barrento, de 500 em 500 metros, com um pouco de tinta preta, que ele comprava para esse efeito.
Aqueles campos alentejanos mostravam o esplendor. E Marco, rapaz pintor, cobria todas as suas telas vazias com paisagens verdejantes na primavera, mais amareladas no verão, acastanhadas no outono e imaginava a neve no inverno. Coisa que ele nunca tinha visto.
Em casa dele, um pequeno casebre sem luz elétrica e sem água canalizada, expunha numa parede todos os quadros e parecendo ou não coincidência, todos eles mostravam ser a continuação dos anteriores.
Ele à tarde, deixava uma segunda marca no local onde estava a pintar e regressava de novo ao casebre, para ir guardar o gado, seguia em direção ao norte todas as 3.ªs e 5.ªs feiras e em direção a este, a Espanha, durante os outros dias. Caminhava em conjunto com o gado por estradas alcatroadas, mas com pouco tráfego automóvel. Os sinos das ovelhas tilintavam constantemente e Marco adorava ouvir aquele som. As ovelhas eram o ganha pão dele: quando as conseguia vender, conseguia dinheiro para comprar novas tintas para pintar e por sua vez, duas vezes por ano acabava por tentar vender aquilo que ele pintava.
Certo dia, a maioria das suas ovelhas foram atropeladas na estradas alcatroada em direção a Espanha, enquanto o rapaz pintor estava a urinar atrás de uma árvore. Ele tinha deixado de as ver durante um minuto e durante tal tempo zás! Apenas tinham restado 2 ovelhas.
Marco saiu daquele local rapidamente, fugindo. Ele não conseguia olhar para tanto sangue que ali existia e quando chegou a casa, com as duas ovelhas já com ar de mais mortas do que com vontade de viver, pediu aos céus para iluminarem o seu caminho daí em diante.
Sem ovelhas o pintor não poderia expor no inverno os seus quadros e as paisagens que ele pintou a partir desse momento eram frias, com as tintas mais baratas: na loja onde ele comprava as tintas, o preto e o branco tinham o mesmo preto, eram as cores mais baratas; depois seguiam-se as cores mais frias e por fim, as mais caras eram as cores quentes.
Com o pé de meia que Marco tinha apenas conseguia comprar cores frias e muito de vez em quando. Pouco tempo depois da morte das ovelhas, as paisagens dos quadros dele tornaram-se frias, com o céu cinzento, prados azuis, searas brancas. Não existia a realidade naquela cabeça. Ele tinha distorcido por completo a impressão do que via, imaginando o seu mundo, onde ele era o culpado pela morte das ovelhas.
Não existiram com prazer, exposições de quadros junto ao Natal, não houve muito mais dinheiro para as cores quentes e Marco entrou num mundo completamente dele, tomando conta das duas ovelhas junto dele, seguindo agora sempre o mesmo caminho para pintar todos os dias.
Com vontade de mudar, mas sem posses, o pequeno pintor sucumbiu ao que tinha para poder viver, mais ou menos feliz, o resto da sua vida.