sábado, 24 de dezembro de 2011

Da minha janela eu vejo... #7

Hoje  conto-vos que acabei de ter uma grande aventura e digo-vos já que foi mesmo inesperada. Não sabendo porquê, decidi acompanhar aquele meu amigo que via da janela de casa, que, se bem se lembram, não saia e ficava triste, em frente ao computador, naquela casa tão modesta e conservadora, com alguns pingos de liberdade.

Vamos lá então...

- Psst.... - dizia o Tico;
- Cala a boca.... - dizia o Teco;
- Chiu o quê pá?...., respondia o Tico apressado e já um pouco irritado.
- Não vês que ele está amedrontado, Tico? Nunca o vi assim, respondeu o Teco.
- Não me interessa, mas ele é um homem ou um rato, bah!?, terminou o Tico.

Bem, de facto é que eu que acompanho O tal rapaz hoje na sua aventura, decidi meter conversa com o Tico e com o Teco: depois de um ar de admiração porque há muito que não me viam, sentaram-se os dois no meio daquele jovem córtex cerebral e escutaram o que tinha para dizer. Lá lhes tive a explicar que o pequeno rapaz ia ter com a madrinha dele a Lisboa, uma amiga que ele sentia necessidade de compensar!

Os pequenos neurónios acabaram por perceber e pararam. Em vez de o massacrarem com pensamentos confusos, passaram a dar-lhe dores de estômago. Mas aí já eu não podia intervir. Ele é nervoso todos os dias e anda sempre a correr; com certeza que não é um mísera dor de estômago que o vai parar.

O barco tinha atracado e ele, preparado para o violento frio da noite lisboeta, apanha o metro. Decide seguir o mesmo caminho que faz diariamente para a faculdade para se tentar acalmar. O engraçado é que ele nunca correu uma vez (coisa esquisita, dado que é o ele passa a vida a fazer).

Agora, e depois estação atrás de estação, o rapaz chega ao Campo Grande, uma estação que ele tão bem conhecia já de há muitos anos. Chegou-se ao pé da amiga e cumprimentou-a devidamente. Por mais incrível de pareça nunca tinha visto aquele ser humano a deliciar-se por uma amiga assim do nada; discretamente mandava os seus bitaites, enquanto o pequeno 767 não chegava. E ele começou a ter medo: perna à mostra, está frio... o que é que eu devo fazer? Tirar o casaco e pôr-lhe sobre as pernas? Ou não fazer nada?

Ele acabou por nada fazer e mesmo depois de mudarem de autocarro para o 22 (um número que muito lhe diz), chegaram ao restaurante que ele tinha previamente reservado para aquela ocasião. Aqui o Tico e o Teco ficaram confusos.... Queixavam-se que ele só jantava com pessoas normais e agora estava a jantar com a madrinha, com a amiga, e com.... eh, pois aqui está a parte complicada da coisa. Mas o que é certo é que eles voltaram a ficar quietos durante todo o jantar e o rapaz metia-se e divertia-se o mais que podia, mantendo sempre as regras que lhe tinham ensinado quando era pequeno. Batata frita após batata frita, pedaço de bife, após pedaço de bife, o prato ia ficando vazio e ele cada vez mais cheio. 

Vi vária peripécias durante aquele delicioso e divinal jantar, mas acho que ele não quer que eu as escreva aqui. São dele e dela e mais nada; de doutora para caloiro, de madrinha para afilhado, de amigo para amigo, apenas.

Após conversas e conversas e conversas, e mais conversas, ele percebeu que ela não era quem ele pensava; ele tinha a ideia de que ela era reservada, tímida, mal falava com os outros, não gostava de sair, etc. Mas não.... Para ele, ela era a gota de água para o copo ao qual ele chama miúda gira por dentro e por fora ficar completo e dar um tom diferente à solução que ele ali tem.

Já passando das 21h30, com o frio a apertar, saíram do restaurante e eu segui-os. Foram para o metro; Entre gesto daqui e dali, acabaram por ir às compras, sem comprar nada. Mas, mais uma vez, o que interessou foi a viagem de metro. Como de costume, não é? Se ele adora metros é normal que adore tais viagens. 

No cais, junto a entrada para o metro, pensar que só circulam 3 carruagens como antigamente ainda lhe soa estranho, mas é assim, ou poupamos ou fechamos.

Deixando o pequeno a parte, ele, junto à estação de Cabo Ruivo desvendou que ela era uma rapariga que ele gostava. Não conseguiu dizer-lhe: mais uma vez seguiu joguinhos de gato e rato e além do mais não sabia como é que as coisas iam correr. Pior não ficavam, pensava ele.

Acabando o trajeto de metro seguiram e giraram nas compras e ele, já um pouco cansado, dá de si e quando regressa para o metro dá sinais de sonolência. Eu nunca vi uma conversa tão rápida sobre gostar e amar ou simplesmente dizer com a cabeça sim ou não! Mas o que é certo é que deve ter tocado a ambos o que um disse ao outro. Mas na vida tudo é assim, o que é verdadeiro claro!

Deixando tudo para trás e depois de um abracinho contente e feliz, no meio daqueles túneis cinquentenários do metro, começou a pensar o tal rapaz. Por incrível que pareça, ele aí sabia que eu estava dentro do córtex cerebral dele e começou a falar diretamente comigo:

"Ela não é nada do que eu esperava. Apresenta os seus toques de queridez e como é óbvio não gosta de falar de muitas coisas. Devo-lhe um respeito enorme. Raparigas como ela já não se "fazem" hoje em dia. Quem não as aproveitar (não no sentido de possuir, mas como companhia e estabilidade emocional) não poderá ter uma vida feliz, pelo menos penso eu. O que é certo é que estava um pouco confuso em relação a ela, mas depois de tudo, em vez de ficar mais inóspito, não.... deixei de ter dúvidas! Depois de sofrer imenso tempo, acho que encontrei de novo a minha estabilidade emocional. 

Dado que jeitinho para as raparigas não tenho e segundo ela, jeitinho para os rapazes ela também não tem, concluo que a vida tem uma nuance que na qual não entra a Matemática: enquanto que menos com menos dá mais, sem jeito com sem jeito dá nada. Ou seja, chapéu! Pergunto-me porque é que Deus me continua a deixar a pensar nela desta maneira bela (tendo memórias do que ela é por fora e por dentro) depois de tudo? Dever-me ia deixar ficar a um canto, com calma e tranquilidade, começando a dar-me "luzes" para pôr este sentimento em arquivo ou então apoptá-lo! Não sei se quero. Mas respeitando-a, tenho de ficar no meu sítio. Ou não? Grrrr.... Apesar de não ter dúvidas agora quanto ao que sinto, tenho dúvidas quanto as ações! Bah!"

O rapaz disse aquilo tudo e eu depois não lhe respondi propositadamente, para ele pensar sozinho. Só há 2 pessoas que podem intervir neste assunto: ele e ela. Tudo o resto pode opinar e ajudar minimamente, mas a decisão é simples de explicar..... e tem de ser tomada pelo(s) próprio(s).

A viagem de regresso acabou num navio tão familiar para ele: no Miguel Torga, o apaixonado pela Terra.
Em honra a ele, e antes de eu ter mergulhado no poluído rio Tejo e começando a nadar até casa, para pensar no que devia, fica aqui um pequeno poema:
Vem.
Adormece encostada a este braço
Mais débil do que o teu.
Entrega-te despida
Nas mãos de um homem solitário
Que a maldição não deixa
Que possa nem sequer lutar por ti.
Vem,
Sem que eu te chame, ou te prometa a vida.
E sente que ninguém,
No descampado deste mundo, tem
A alma mais guardada e protegida

in Miguel Torga - Poesia Completa - Publicações Dom Quixote

Por fim, ele continua com dúvidas.... Não a que tinha, mas a que criou... E ele.... Afasta-se ou fica no mesmo sítio? Lembra-se do passado e segue o que aprendeu ou fica a pensar no que "não deve"?