segunda-feira, 28 de junho de 2010

O frio aconchega um corpo quente (XXIV) - Uma nova vida em Londres

As vinte e duas horas aproximavam-se, até que Carlos recebe no seu gabinete uma chamada do Ministro dos Transportes do Reino Unido, dizendo que não era necessário entregar o estudo no dia seguinte, mas sim, na semana seguinte.

Contente e sorridente, quando saiu do local de trabalho, repara no telemóvel e vê que a hora de jantar tinha passado ao lado e que o que ele queria fazer era descansar em casa, junto ao seu peluche de estimação e da fotografia que ele mais adrava. Bastava encontrar essas duas coisas materiais para a noite ser descansada.

No quarto de Roberta, esta tinha visto a entrevista mais do que dez vezes e repara no barulho que os sapatos de Carlos faziam. Ela exclama "Ele chegou!", mas quando chega ao quarto de Carlos, ele já está deitado junto do tigre que era gato e de uma fotografia que estava caída no chão. Uma memória do secundário, uma fotografia que estava semi rasgada num dos lados, mas ainda aguentava a junção. A cara de Carlos era de sorriso. Roberta questionou-se o que é que ele estaria a pensar. Senta-se na cama e começa a fazer festinhas no cabelo curto de Carlos. Ele ainda se aconchegou mais, mostrando carinho e afecto pelo que lhe estavam a fazer. Quando Roberta notou que Carlos estava acomodado, volta para o seu quarto e deixa-se dormir com um sorriso nos lábios também.

A manhã avizinha-se, mas para Carlos, desde as três da madrugada que o sono tinha dito adeus. Carlos tinha saído de casa ainda cedo como um dia normal fosse, banho tomado, mas com a barba por fazer. No trabalho acabou o que faltava do projecto e regressa a casa ainda cedo, sensivelmente pelas catorze horas. Esfomeado, pede para lhe arranjar duas peças de fruta e para lhas levarem ao quarto. Vai ao quarto de Roberta de seguida e repara que a roupa não estava arrumada. Passa-lhe então a ferro a bata que estava amarrotada e faz-lhe a cama, beijando o canto direito dos lençóis. Depois disso veste roupas de fato-de-treino e sai de casa, não voltando nesse dia.

Chega a um dos jardins mais movimentados de Londres, Bushy Park, e, com o chegar da noite e o frio e chuva forte senta-se junto de um veado que estava sozinho no parque. Mas por pouco tempo o veado ali ficou. Perto de onde Carlos tinha-se deitado, só e na escuridão da noite, estava uma casa que alimentava os animais. Sem forças, ele tenta chegar até lá, mas o ódio, o cansaço e as dúvidas eram tantas que ele ficou no meio do caminho. Mas ele acorda, na manhã seguinte junto de uma família chinesa, ao lado de um grande espaço de cultivo de trigo. É-lhe dito que o veado o trouxe até eles e que, por pena, o tinham abrigado.

Ele rapidamente desculpa-se e sai a correr da casa, parecendo já um macaco do que um humano. Todo torto das costas, barba por fazer, a rastejar encontra um papelão no chão e começa a pedir esmola. Ninguém lhe ligou. Dormia ali durante o dia, passasse quem passasse, ladrassem cães ou miassem gatos. A chuva estava a molhar os papelões a uma velocidade cada vez mais rápida e a pele dele estava cada vez mais branca. Sem vitalidade quase, até que uma senhora de idade o ajuda a levantar e leva-o para a casa de auxílio ao mais necessitados que existia junto daquele parque. Ele comeu uma vez mais, trouxe cobertores e pôs-se numa estação de metro próxima que estava fechada há mais de cinquenta anos e alojou-se ali. Sem mais nem menos, aquela estação fria, cheia de pó e onde as carruagens da Piccadilly Line passavam dava para o abrigar com mais ou menos um espirro. Carlos queria fugir à rotina de chefe, às dúvidas que tinha, às responsabilidades que ostentava; Ele queria poder chorar pelo mau passado que teve sozinho, sem ter de colocar máscaras atrás de máscaras e fazer-se de sério. Teve várias vezes à beira da linha de metro para se tentar matar, mas quando ele fazia isso, era de madrugada, e não passavam comboios na linha. Ele queria-se pôr nos carris e sentir os ossos a partir e a cabeça a ser "estragada" pela primeira roda do seu metropolitano.

Fonte da Fotografia: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/42/Fallow_deer_bushy_park.jpg

sábado, 26 de junho de 2010

Faz-me sorrir uma vez mais (XXIII) - Uma nova vida em Londres

Roberta bate com a mão na testa dizendo que se tinha esquecido da bata que precisava que Carlos a passasse a ferro. Mas lembrou-se que, apesar de no dia seguinte ser sábado, ela não iria trabalhar, ao invés de Carlos.
No escritório do chefe máximo dos transportes de Londres, o tempo ia ficando cada vez mais curto para a entrega daquele estudo. Eram vinte e uma horas e vinte e um minutos. Ele tinha de acabar o estudo até às vinte e duas, hora em que o edifício encerrava portas. Faltavam-lhe três capítulos, excluindo a introdução e a conclusão. Carlos já punha as mãos no ar, barafustava consigo próprio, e culpava a secretária de tudo, e da falta de profissionalismo dela. Até que se lembrou que no final do décimo segundo ano tinha comprado um dispositivo que transformava o que era dito pelo humano em escrita no computador. Foi um alívio.

Carlos tinha levado aquele dispositivo para o escritório na última vez que lá tinha ido, mas estava a pensar dá-lo a alguém.
Por outro lado, e voltando à casa de Carlos, Roberta repara uma vez mais no DVD que estava na cabeceira e abre-o. Não tinha qualquer indicação do que era e se podia ser visto ou não. Como curiosa que é decidiu colocá-lo no leitor de DVD do escritório da casa de Carlos.

Começou por ver publicidade do canal de televisão generalista estatal inglês, mas rapidamente começa um talkshow especial numa estação de metro. Roberta começou a pensar que estava enganado, visto que ela não gostava de transportes, mas sim Carlos. No final de contas, passou-se mais um minuto do programa gravado e a entrevista começa. Roberta presta atenção e repara que tudo lhe é familiar:

- Entrevistadora: Bom Dia Srs. telespectadores, hoje estamos aqui, na estação de Tower Gateway para fazer uma entrevista especial a uma das pessoas mais importantes de Londres. Esta pessoa tem sido muito falada ultimamente e muitos londrino têm estado contra as suas reformas. Aí vem, o chefe máximo dos Transportes em Londres, o Eng. Carlos Bráz.
Bom Dia, sr. engenheiro. Diga-nos então como chegou a Londres e veio parar agora a chefe máximo dos nossos transportes?

 
- Carlos: Olá a todos. De facto foi uma escolha muito difícil ter vindo para Londres. Estive bastante tempo centrado na minha pátria, Portugal, e vir para aqui alterou muito do que eu era enquanto pessoa. Bem, ao acabar a faculdade TfL convidou-me para estagiar aqui em Londres e claro que eu aceitei. Eu adoro o sistema de transportes de Londres.
 - Entrevistadora: Excelente. Mas de facto não era logística e transportes que queria seguir pois não?

- Carlos: Não, não queria seguir nada relacionado com transportes, apesar de ser ter gostado deles desde pequeno. Estive muito mais ligado à área da saúde e ao contacto com as pessoas. Detestava o trabalho de fato e horário fixo das 9h às 17h.


- Entrevistadora: Mas rendeu-se às evidências e tornou-se o nosso "chefão". Fale-nos um pouco acerca de si, porque é que decidiu mudar todo o metropolitando? Para que tantas mudanças?


- Carlos: De facto são mudanças que irão alterar a 100% a vida dos cidadãos de Londres, mas eram reestruturações necessárias. O nosso sistema de metro estava e em algumas partes continua a estar bastante degradado e com falta de acessibilidade a pessoa com mobilidade reduzida, e, perante a União Europeia é necessário progredirmos e evoluirmos para a completa adaptação para todos poderem usufruir do modo de transporte da mesma maneira.

- Entrevistadora: Muito interessante esse seu ponto de vista. Diga-me agora outra coisa, disseram-me que não gosta do Verão. Porquê?

- Carlos: O Verão é uma estação do ano que nos deixa com calor e eu sou bastante friorento, não gosto muito de calor. Gosto muito de praia, mas confesso que nada melhor que a neve e as montanhas. Além do mais, a chuva e o frio, o vento e a neve inspiram-me e dão-me um maior rendimento a nível do trabalho.


- Entrevistadora: Então agora outra questão. A maioria das pessoas, especialmente as raparigas da sua idade estão curiosas para saber porque é que não se mostra à população londrina e porque é que não se deixa levar pelos caprichos próprios da sua idade?


- Carlos: Tudo isto começou quando eu conheci a pessoa que mais me marcou até hoje a minha vida - a minha grande e respeitosa amiga Roberta. Não sinto necessidade de me expor ou de procurar ajuda, porque sinto-me completo e feliz. Estou bem comigo próprio e percebo que se amar alguém isso chegará até mim.


- Entrevistadora: Interessantíssimo o que disse! Essa sua grande amiga Roberta poderá ser a sua companheira para o futuro?

- Carlos: Sinceramente, não acho. Eu e ela conhecemo-nos há bastantes anos, mas não nos amamos. Apenas temos uma grande e aberta relação de amizade. Ajudamo-nos mutuamente, abraçamo-nos e brincamos quando temos de brincar, mas não temos nada, nem achamos que devemos ter, mais do que uma relação de amizade no futuro.- Entrevistadora: Vejamos isso então daqui a uns tempos!!! Assim foi a entrevista com o nosso chefe de transportes em Londres. Obrigado por ver o nosso canal e a seguir vêm as notícias. Uma vez mais obrigado!"

Roberta ficou pasmada com o que Carlos disse. Não sabia como reagir a tanta coisa que ela já sabia, mas Carlos nunca tinha dito em público. Ela ficou boquiaberta no meio do quarto, em pé!

sexta-feira, 25 de junho de 2010

O objecto ignorado (XXII) - Uma nova vida em Londres

Roberta veste o pijama e dá uma volta pela casa, ignorando o DVD que estava em cima da sua mesa de cabeceira. Após tal volta, liga-se à Internet e começa a conversa com os amigos de Portugal. Mal entra no software de mensagens instantâneas repara que Carlos estava online e tenta falar com ele, mas, ele desliga-se antes de receber a mensagem de Roberta.

Carlos tinha acabado o trabalho, estava despachar para regressar a casa, quando a secretária informa-o que vai ter de fazer mais um estudo, visto que a regra da empresa onde ele trabalhava obrigava que fosse o chefe a realizar tal estudo - o de mobilidade a curto prazo (um dos mais difíceis) que tinha de ser entregue até ao dia seguinte; que por erro da secretária devia ter chegado à secretária de Carlos há um mês. A face de Carlos era como uma água poluída, sem vitalidade, com grandes olheiras e pouca vontade de trabalhar. Mas aquele estudo tinha de ser feito, por isso, liga para casa e avisa que não sabe a que horas vai chegar. Nesse telefonema não se lembrou nenhuma vez de Roberta. Ao desligar o telefone, é-lhe dito que adoraram tal entrevista daquela manhã.

Roberta vai ao quarto de Carlos e não o vê. Começa a imaginar coisas erradas, à partida, devido àquele bilhete que ele lhe deixara de manhã. Lembra-se de ir à caixinha dos textos e maravilhar-se com mais uma escrita por Carlos.

Desta vez calhou na rifa um texto que Carlos queria dedicar a Roberta, mas nunca tinha tido coragem, que tinha como tantos outros a mesma mensagem de sempre:

"Quero-a. Ela é minha amiga. Minha amiga, é importante para mim. Ela completa-me. Sinto-me livre com ela, a falar com ela, a sentir-me junto dela, a  pensar nela. Digo-lhe isto tantas vezes de forma indirecta. Ela é a minha companheira em quase todas as conversas. Aprendi muito com as conversas mais pessoais com ela. Senti-me como ouvido. Ninguém queria ouvir tudo o que eu tinha para dizer. Mesmo que não a perceba sempre, gosto dela na mesma. Ela é minha amiga".

Roberta chora, levando a caixa para o quarto, vendo uma vez mais o DVD em cima da mesa de cabeceira.

A água quente do chuveiro (XXI) - Uma nova vida em Londres

Depois de todos os berros, "falas alto" e afastamentos, Carlos calou-se. Roberta manteve-se calada. Carlos, já calmo, volta para junto de Roberta segreda, mexendo-lhe nos cabelos: É um facto que a calmaria da nossa relação contrasta com afastamento e gritos. Mas não, não me arrependo nem fico chateado. Posso rebentar de tristeza por sentir a tua falta, mas também posso rebentar de alegria por te ter junto de mim.
Puxa-a da cama e entram os dois na casa-de-banho. Minutos mais tarde ouvem.-se risos dentro da casa-de-banho. No fundo eram eles dois a abraçarem-se. Com respeito, nada mais aconteceu. Ao saírem já secos com o robe novo que Carlos nunca tinha estreado, deitam-se juntos na cama e começam a falar:

- Fazes-me sorrir quando queres, Roberta. Estes abraços deixam-me completo. Fazem-me ver o mundo doutra forma... Ai...(suspirando)
- Ainda bem, no fundo os amigos servem para ajudar - responde Roberta.
- Vou-me meter debaixo dos lençóis até amanhã, estou cansado (mostrando cara triste).
- Eu durmo aqui contigo esta noite, ou melhor, dormes tu aqui comigo, porque o quarto é meu, indica com um sorriso Roberta.

Abraçados deixam-se dormir. Quando Roberta acorda sente e depois confirma com a visão que Carlos não estava no quarto. E que tinha um bilhete na sua cama:

"Não te quero pedir desculpa. Já me excedi nas desculpas desde que te conheço. Mas não consegui ficar ao teu lado a noite inteira. Vieram à minha cabeça os teus silêncios e as memórias más. Os teus silêncios sempre indicaram que eu devia parar e mudar de assunto, ou de lugar. Que não estavas interessada naquilo que estava a falar, ou simplesmente até nem te importavas de ouvir, mas não querias saber daquilo pela minha boca. Não consigo viver o presente, com o passado para resolver"

Carlos tinha uma entrevista marcada, mas desta vez fê-la numa estação de metro. Na que ele mais gostava: Tower Gateway. Foram falados temas acerca da vida pessoal do chefe máximo dos transportes em Londres. As funcionárias da casa de Carlos ouviram-na do início ao fim e, gravaram-na, para a poderem rever num futuro próximo.

Quando o entrevistado acabou a entrevista, sai, de cabisbaixo, indo directo para o seu escritório. Assim foi, entra no metro, não sendo reconhecendo, por estar a utilizar bigode e barba falsa; ao chegar ao gabinete começa a trabalhar ficando ali até à hora de jantar.

Por outro lado da cidade de Londres, Roberta estava no seu último dia de uma especialidade. Passaria para a Psiquiatria de seguida, na semana seguinte. A bata branca que Roberta ostentava mostrava uso e necessitava uma lavagem profunda. Ela lembrou-se que quando Carlos lhe lavava a roupa esta ficava-lhe muito macia e limpa.

Roberta chega a casa e vê um DVD na sua mesa de cabeceira...

quarta-feira, 23 de junho de 2010

A medianez de um segmento de recta (XX) - Uma nova vida em Londres

Carlos continuava a afastar-se. Chegou à porta do quarto e fugiu com o portátil na mão. Meteu-se no quarto dela. Mas esqueceu-se de trancar a porta. Pé ante pé Roberta aproxima-se de Carlos e ele volta-se e mostra-lhe um documento, ou melhor, uma imagem que tinha no PC. Era um printscreen com mais do que seis anos, que ele guardara religiosamente consigo.
Roberta não tinha percebido que Carlos tinha ouvido a porta do quarto dela a fechar e daí, quando ele sentiu a doce e esbelta respiração de Roberta "espetou-lhe" a imagem que tinha no computador. Ele levanta-se e comenta em voz alta:

"- Espero que agora percebas porque é que vim para Londres. Não foi por tua causa. Foi pura coincidência... Custa, mas foi pura coincidência. Mais custa é ver essa imagem que está à tua frente e sentir que não fui capaz de entrar no que queria. Esforcei-me o que pude e não consegui. Não te atribuo culpa, mas culpo-te por não me teres apoiado. Eu até posso não ter sido claro, mas sabes bem que não sou explícito em nada. Apenas consigo falar em códigos. Se me conhecias tão bem, devias ter percebido cada vírgula mal posta, cada ponto final exageradamente utilizado, cada falta de mensagens sentida e mal justificada. É isso que me deixa com estes comportamentos todos. E eu o que é que te fiz? Quando foi o contrário, estava eu em baixo, mas mesmo assim, deixei-te palavras bonitas, porque não podia actuar contigo, porque não existia teletransporte. Ainda me lembro da SMS que me mandaste antes de um exame. Ainda penso nela como apenas uma mensagem para eu me sentir bem, e não como uma mensagem verdadeira. Tudo isso e o facto de não ter conseguido o que queria e ter-me alistado à logística dá-me a entender que sou um falhado. Até ao ponto de mandar a secretária carimbar 200 papéis e eu estar a visitar o Zoo.
Queres que te diga mais?
Até te digo... Sai naquela estação de metro porque estava cansado de me lamentar por estar ao pé de uma colega, amiga ou o que sejas, que estava a sorrir. E eu não consigo sorrir, porque não fui bom naquilo que devia ter sido."

sábado, 19 de junho de 2010

Os animais (XIX) - Uma nova vida em Londres

Após ter deixado o bilhete, Carlos sai de casa e vai trabalhar. Come no café que existe ao lado do seu importante local de trabalho o pequeno almoço tradicionalmente britânico. De seguida sobe no elevador até ao seu gabinete. Quando chega à porta vê mais do que 200 documentos para analisar. Ele fica bastante surpreendido. Corre o risco de serem documentos perigosos, mas pede à secretária para carimbá-los todos, enquanto que ele verificava as novidades acerca das obras e de outros assuntos relacionados com concursos financeiros. Fica demasiado entusiasmado porque a Rainha tinha-lhe dado uma grande margem para a remodelação do metro londrino. Com todo aquele dinheiro, poder-se-ia pagar as remodelações de mais 25 estações do que estava planeado. Por espanto de todos deixa todas as novidades, e mesmo estando entusiasmado sai do gabinete e abandona o seu local de trabalho. Portava-se assim como um político que apenas se preocupava com votos.

Decide, de rompante, ir ao Jardim Zoológico da cidade londrina. O entusiasmo continuava. Carlos sempre gostava da Natureza e dos animais. Podendo ter medo de alguns seres vivos, entra com satisfação naquele belíssimo parque animal e não só. Ao pensar em Jardim Zoológico e estar dentro de um, apesar de numa cidade diferente e num país diferente memórias não lhe faltavam. Ele sentou-se numa sombra, puxa da caneta e do papel e começa a escrever, junto ao local dos leões:

"Pode ter sido a muitos quilómetros de distância, mas foi num zoo que deu para começar a entender que algo não estava bem. Não entendi à primeira, mas fui amadurendo a ideia de tal coisa. E de facto era verdade. Passou-se mais de um ano e apenas aí é que percebi que o remédio é seguir a linha curva condutora das relações de amizade e não tentar puxá-las para outros locais. Foram precisos mais do que 365 dias para isso acontecer. Enfrento agora a realidade sempre com algo atravessado na garganta porque não consigo realizar o que desejo, mas, de facto, penso que se não o consigo, não é por não tentar: é por não ser bom para o fazer. Não quero melhorar, tenho de continuar a ser verdadeiro e justo para comigo. Só depois é que vêm os outros, só depois é que posso pensar em tudo o resto, apesar de não conseguir dividir tal coisa muitas vezes.
Não quis trabalhar mais! Tinha de espairecer e vim para o Zoológico.
Sonho e imagino uma utopia. Desejo a impossibilidade relacional. E já me repeti. É um dos meus grandes problemas. Repito-me frequentemente e além disso tenho consciência de tal repetição. Acho que descobri porquê...Mas não faz sentido tanta insistência..."

Ao chegar a este ponto, Carlos é chamado por alguém. Era Joaquim. Carlos levanta-se a cumprimenta o seu amigo de secundário. Conversam enquanto continuam o passeio pelo Zoo. Aquele sítio era local de trabalho de Joaquim. Passadas cinco horas despediram-se e Carlos regressa a casa. Chega ao seu quarto e fica em boxers, verificando de novo as entradas de correio electrónico e, com mais atenção, lê o e-mail que recebeu das altas instâncias, mas é surpreendido por Roberta vestida de bata branca, o seu "uniforme" de trabalho. Fala-lhe dizendo boa tarde, continuando de seguida a ler o e-mail recebido. Roberta faz cara séria e senta-se junto a Carlos. Carlos desvia-se. Roberta chega-se para junto de Carlos pela segunda vez e ele afasta-se novo. Roberta pergunta porque o afastamento e Carlos responde que se afastou porque quis. Roberta confronta-o dizendo que iam reviver os momentos do secundário e Carlos responde que está bem. Baixa o monitor do computador e fala com Roberta. Repetiu tudo o que lhe tinha dito e que não tinha sortido efeito, terminando com a frase: "(...) se não queres diz-me e eu saio. Mas saio não só de casa. Saio de mais sítios."

Roberta calou-se e põe a mão junto das boxers de Carlos; ele afasta-se de novo.

Fonte da Fotografia: http://www.londonpass.com/languages/german/images/sections/attractions/londonZoo.jpg

segunda-feira, 14 de junho de 2010

A decisão foi tomada (XVIII) - Uma nova vida em Londres

Já noite cerrada, Carlos veste-se com as piores roupas que tinha. Ao sair bate com a porta de forma estrondosa, algo que nunca havia feito de propósito. As lágrimas corriam-lhe pela face, a cara de esforço para tentar contê-las quase que fazia com que a cara abrisse os poros demasiado e começasse a sangrar. As mãos estavam de tal forma contraídas e com pressão que ele era capaz de dar um grito no meio da rua ou fazer alguma parvoíce irracional.

Sem mais nem menos, e sem saber onde ia parar, seguiu na direcção da China Town. Quando se apercebe de tal entrada naquela zona corre loucamente para a prostituta mais próxima. Trá-la para um beco e dá-lhe um pontapé tão forte que a faz não mexer os joelhos. De seguida paga-lhe 1000£ e deixa-a nua.
Quando Carlos cai em si, percebe que ali não pode estar. Que não devia ter feito o que fez, que se havia tornado num homem mal educado e sem educação. Senta-se a um canto e oferecem-lhe um cigarro, mas um cigarro diferente. De certeza que era droga. Ele dá-lhe um murro na pessoa que lhe tinha "dado" tal droga e foge de tal sítio. Alguém puxa-o do meio da rua, estando coberto com uma capa parecida à de um missionário.

Começam a conversar e Carlos responder mal à pessoa que o ajudou. Joaquim responde-lhe dizendo que ele já nem conhece o amigo. Abraçam-se incondicionalmente e Carlos volta a chorar. Joaquim diz-lhe que não é preciso contar nada porque Roberta já o tinha feito. Acrescentou que ele devia ter aprendido a lidar com tais situações de silêncio ainda no Secundário português e não continuar-se a atormentar anos fora como fazia.

Carlos respondeu que o fazia porque não encontrava nada que não fosse mau em tal comportamento. Joaquim calou-o à força. Levou-o para casa e, à porta, deixou uma mensagem para ele: "Pensa no que fazes cada dia e não tentes mudar o que não consegues, tenta sim adaptar-te ao que tens". Carlos ouviu e baixou a cabeça. Quando subiu e vestiu o pijama não estava ninguém no quarto, nem qualquer mensagem de despedida. Depois de desligar a luz e fechar os olhos, tentando assim descansar... Começa a ouvir vozes... "Let's go dear...Let's go..." de forma tão suave; Carlos ignorou tais vozes e chegou-se para o lado direito da cama. Deixando que quem tivesse dito tais expressões pudesse deitar-se no lado esquerdo a seu lado. Depois de se deixar dormir sonhou com a altura em que estava a passar para o 12.º ano. Lembrou-se das dúvidas em relação a mudar de escola, os prós, os contras, as saudades que tinha, os textos, os sons; era como estivesse a reviver aquela situação de novo. Quando ele tomou a decisão, e estava a sonhar com essa parte da vida, acordou. Tinha de voltar ao trabalho, mas deixou um pequeno bilhete para quem fosse que estivesse ao seu lado.

"Dear Person,
Let's go to work... And see our memories in the evening. The 12th grade was very very grateful for me and we were together".

Fonte da Fotografia: Google Images

sábado, 12 de junho de 2010

Começar do 0... (XVII) - Uma nova vida em Londres

Carlos continuava no chão à espera que Roberta dissesse algo. Ela não disse. Ela não disse nada. Ele fartou-se. Estava cansado daquela situação. De rompante levanta-se e vai à caixa das memorias. Tinha lá um texto que era de 3 páginas A4 sem verso. Era enorme. Carlos vestiu o robe do banho e pôs-se a ler em voz alta o que tinha escrito... Não tinha entitulado o texto desta vez.

"Pouco antecediam as dez horas e quarenta e cinco minutos da manhã de vinte e dois de Janeiro de mil novecentos e noventa e quatro, nasci. Estava sentado, segundo a minha mãe, assim sendo foi um parto de ceseriana. Acho que tive certos problemas após o nascimento, uma vez que tinha bebido algum líquido amniótico, o que me fragilizou o estômago. Memórias não tenho minhas até aos três anos, ou seja, até ao ano de mil novecentos e noventa e sete.
Até tal data factualizo aqui o que ouvi da boca dos meus avós maternos e da minha mãe; tinha cerca de um ano e meio quando os meus pais se divorciaram. A partir dessa data passei a pernoitar na casa dos meus avós maternos.
Tendo em conta o que me é dito por eles, tenho passagens engraçadas as quais retrato aqui, como a meio de uma viagem para Odeceixe, onde passo férias, parou-se junto a um café na estrada nacional para me darem uma sopa quente. Chego a mil novecentos e noventa e sete. A partir deste ano, com três anos de idade, tenho vagas recordações, como o estar com o meu pai a comer um iogurte e ele não me ligar nenhuma, de estar sentado no braço do sofá da casa dos meus avós a falar com o meu avô e de limpar o sangue que tinha no lábio com a almofada, que agora, após muitas lavagens ainda ostenta uma marca da tenra sanguinidade. Foi também aos três anos que os meus avós me ensinaram a escrever e a ler. Quando começo a escrever repararam que eu utilizava com bastante frequência a mão esquerda. O facto de eu escrever da direita para a esquerda e sob o efeito espelho, bem como o facto de eu colocar os tiles nas palavras ao contrário (coisa que ainda acontece), tinha sido explicado. Foi com tal dedicação dos avós que me habituei ao leite no biberão de hora e meia em hora e meia o que fez esgotar os meus avós. Para além disso a 'bubu', a chucha era apenas utilizada em casa naquela idade. Aos cinco anos, em Odeceixe, habituei-me a beber o leite normal dos adultos, até lá queria sempre beber o leite da Nestlé que, por ter figuras infantis no cartão, eu apelidava tal embalagem de 'leite dos meninos'. Foi também aos cinco anos que diminuiu a companhia do avô nas viagens de autocarro, e também reduzi ou quase que eliminei o fanatismo por carros do lixo; no entanto, o gosto pelos transportes ainda perdura agora.
Em Junho de mil novecentos e noventa e nove, após um ano de ATL no período da tarde e sem qualquer jardim-de-infância e pré-primária, peço à minha mãe para entrar à escola. Aí todas as portas se fecharam por ser pequeno. Fiz testes na psicóloga, que, apenas me lembro de errar na figura das dobradiças da porta. Finalmente, e já com testes feitos à minha mãe para saber se sabia lidar com pessoas como eu e com o apoio reduzido mas precioso da DREL consegui entrar na escola. Foi num colégio privado e aí começaram a surgir problemas. Paralelamente ao colégio andava na ginástica e mais tarde na natação. No primeiro ano era todos os dias 'achapadado' pela minha colega Lara, e além disso, pernas e braços tinham sempre nódoas negras. Relembro-me também de todas as situações caricatas, como ter a responsabilidade de ir tirar fotocópias, chamar os colegas para as aulas, etc.
Com todas as represálias que tinhas com as batidas sofridas, tornei-me mais frágil e mais meu. A restante primária é passada com relativa facilidade, realçando que no primeiro ano, os vómitos que o cérebro induzia e as aulas que me dispensavam. Um facto ainda bastante curioso era o toque do meu telemóvel na altura - quando a minha mãe me ligava o toque do telemóvel fazia-me lembrar a escola. O ser diferente dos outros, já na primária, obrigou-me a ouvir, desde tenra idade, mentiras e boatos acerca da minha orientação sexual.
Ao entrar para o segundo ciclo do ensino básico, e ao pensar, que todas as bocas desapareciam, estas tornaram-se cada vez piores. A 'salvação' foi ter conhecido três raparigas que, para mim, são as minhas melhores amigas. É também no quinto ano que me propõem dar uma aula de HGP. Aceitei o pedido de imediato e passei a ouvir bocas como o ser graxista, além de todas aquelas sexualistas. Elas duraram até ao final do Ensino Básico. Nem todo o ciclo prepatório foi um mar de rosas.
No sétimo ano toda a gente pôs em causa o meu conhecimento da à parte reprodutora humana. Eu sempre afirmei que uma professora estava grávida e ouvi represálias da própria professora. Confirava-se, um mês mais tarde que a professora estava grávida, mas de gémeos. Acho que nessa altura era uma boa companhia: foi nesse ano que conheci vários colegas que agora são da minha turma: o Jorge, o Diogo, o André, a Ana Raquel, a Satu, a Ana Farinha e relembro a Inês. Acabo o sétimo e chega o oitavo. Pior não podia ter sido...
Não a nível de rendimento escolar, mas foi no oitavo ano que aprendi uma das maiores lições da minha vida. Os outros, aqueles outros em quem nos tínhamos confiança, acabam por ser apenas um género de amigos da onça. Tornei-me muito mais sério do que era, com o que a vida me ensinou. Não poderei esquecer que por um dia toda a minha turma me ignorou. Foi também nestes dois anos (sétimo e oitavo) que retiro a caligrafia da minha professora de CFQ e de História para escrever. Ainda escrevo da mesma maneira que elas.
Passa-se mais um Verão e o último ano do Ensino Básico alberga-me. Não se passou nada de especial, apenas realço que, durante um mês, enviei para uma colega, que segundo eu, eu estaria apaixonado por ela, mas não. Ainda não falei muito na minha vida amorosa, de facto até ao nono ano não tive grande preocupação com as raparigas dessa forma. Apenas acho que tive o tal fraquinho que dizem por um ou outra vez.
Felizmente, consigo, com margem de segurança, a aprovação do 3.º Ciclo. Os exames foram a brincar.
O mais fantástico da minha vida aparece agora. Depois de ter sido ginasta, nadador, árbitro de andebol, delegado de turma, representante dos alunos, sou agora aluno do Secundário.
Parece que foi hoje que conheci novos colegas, mas uma soltou-me à vista. Não quero denominá-la, mas não me engano quando digo que ela é alegre, amiga, feliz, animada, fixe. O resto do primeiro período foi atribulado, porque andava completamente descontrolado amorosamente. É com carinho que me relembro de todas as aventuras, os ciúmes, as palavras, as conversas que tive com ela até hoje. Admito que ela me ensinou muito do que eu hoje sou. Não me posso esquecer, e saliento assim este facto."

Carlos após ler tal enorme texto em voz alta questiona quase aos gritos Roberta se ela tinha percebido a mensagem que ele queria passar. Naquela altura, em dezasseis anos de vida, Carlos apenas tinha conseguido sorrir a partir do 10.º ano por causa de alguém. Ele disse logo que era Roberta. Ele sentia-se longe dela por vezes. Ele pensava que se passava algo com ela. Acabou a conversa e foi-se deitar noutra divisão assim: "Tenho pena que não tenhas percebido a importância que tens para mim. Estou a tentar dizer-te isso há algum tempo".

quinta-feira, 10 de junho de 2010

De regresso à grande cidade (XVI)... Uma nova vida em Londres

Dias passaram e Carlos decidiu regressar a Londres. Ao chegar a casa Carlos desata a chorar, molha a almofada em grande quantidade. Sentia-se sozinho. Ele não queria falar com Roberta, com as funcionárias, com os superiores. Ficou meia hora a choramingar e de seguida saiu. Com a cara vermelha, húmida e com cara de choro, sobe a escadaria da estação que gostava mais: Tower Gateway. Uma estação remodelada no tempo em que um dos seus melhores amigos estava em Londres de visita. Foi lá para pensar e poder, ou melhor, tentar passar aquele dia com uma memória decente.

Mas ele não consegui: não havia música, não havia amizade, apenas existiam comboios e uma bilheteira a funcionar. Era demasiado entediante para Carlos. Sentado num banco chorou mais um pouco. As horas passavam, os comboios partiam e ele continuava lá. Até à noite. Decidiu sair da estação quando chegou o comboio que não sairia mais naquele dia. Ficava em Reservado naquela estação. Era hora de jantar. Já estava frio, as luzes das ruas acesas e, ele sem casaco. Tinha trazido roupa à portuguesa e não se tinha vestido de forma formal ou à londrino. Chega a casa. Já quase congelado e sem qualquer vontade de se ir aquecer num banho, deita-se a cama e tranca a porta.

Roberta acha estranho a porta do quarto de Carlos estar fechada e trancada, porque ela passava lá os momentos que podia; aquele quarto era o melhor: o mais aconchegador, o mais quente e com mais recordações. Ela tinha passado todos os dias ali. Sem notícias de Carlos, enverda para a cozinha, perguntando aí à empregada o que se passava. A empregada responde-lhe que Mr. Carlos tinha regressado. Roberta ficou sem saber o que fazer. Ele tinha trancado a porta. Estaria ele lá dentro? Estaria ele no banho? Ela vai ao chaveiro e traz a chave suplente. Carlos, durante esta confusão completa, decide despachar-se e ir tomar um bom banho. Quando Roberta abre a porta vê Carlos em toalha e abraça-o. Ele tinha a toalha bem presa e ambos caíram na cama para conversarem. Carlos virou-se de costas, mas no fundo queria abraçar Roberta. Ele já tinha saudades dela, mas não queria intrometer-se no seu espaço. No fundo queria que ela vivesse a vida dela. Carlos diz a Roberta para ela sair do quarto. Em tom quase de grito, manda-a embora, mas ela mantém-se ali, agarrada a ele. Após dois minutos de alvoroço, e com Roberta a prender a toalha, Carlos levanta-se e sem querer fica nu. Manda-a de novo embora e ela recusa. Sentou-se ali no chão à espera de algo, já frio, longe do quente do banho, espera que Roberta faça algo...

terça-feira, 1 de junho de 2010

As questões levantadas...(XV) - Uma vida em Londres

A viagem até ao Hospital onde Roberta trabalhava tinha de ser feita. Ela começava naquele dia a testar os conhecimentos numa nova especialidade, Gastrenterologia. Por Portugal, Carlos chega a casa, onde vivera antes de ir para Londres e sente-se aconchegado pela família, mas longe de quem realmente o fazia feliz e sentir bem. Desde Setembro que em Londres, estavam apenas Carlos e Roberta. A família de ambos estava longe, como ao fundo de um túnel que não se consegue ultrapassar.

Carlos mantém o contacto com Roberta, apesar de, entre conversas de risos existirem momentos de choro e saudade. Ele comentava que com a frieza dos ingleses, era impossível que existisse saudade, mas, ao que parece, não é bem assim. Num dos dias, Carlos não atende o telemóvel. Tinha ido ao hospital. Queixava-se de dores na fossa ilíaca direita, e pelo que sabia de anatomia, tudo indicava que fosse uma apendicite. Roberta não ligou à não-resposta de Carlos e continuou a estudar em casa.

Após realizar os exames, os médicos dizem-lhe que o resultado era desfavorável para o paciente e este iria, obrigatoriamente, ser cirurgicamente intervencionado. Não tinha uma apencidite simples, mas sim uma peritonite. Carlos, todo a tremer envia uma SMS a Roberta sem conectores, dizendo apenas: "dor fossa ilíaca direita hospital". Ela não percebeu. Continuou o estudo sem mais nem menos, deixando tal SMS na caixa de entrada "descansada". Roberta acabou o estudo e centrou-se na caixa que Carlos havia deixado na mesa de cabeceira.

Como já disse, era maravilhosa aquela casa. Estava cheia. Eram só textos lindos, alguns que faziam chorar, outros que faziam rir, e por fim, outros que mostravam a crua e nua realidade da vida de um adolescente/adulto. Ao acaso, Roberta pega num papel, desdobra-o e lê-o. Tinha um título esquisito: "Tal comportamento é correcto?"

"Já me arrependi de ter dito que ida à viagem de final de ano à Beira Interior. Ela não vai e estou triste com isso. É um dos nossos últimos momentos juntos. Quem me dera que ela fosse. Queria ficar a sorrir mais uns dias antes dos exames, e assim, acho que não vou ficar. Quem sabe...
Desde segunda-feira que ela anda estranha. Não a entendo. Costumávamos sorrir em conjunto nalgumas aulas, fazíamos adeus um ao outro, ou então enseriávamos a nossa cara. Era tão fixe! Não lhe posso dizer o que a melhor amiga dela me disse, tenho de respeitar o segredo! Ela é a minha melhor amiga, não a quero longe de mim. Perfiro que ela me mande SMS e me cumprimente, fale comigo até às tantas e me faça feliz. Ela tem esse 'dom'. Não a percebo agora. Acho que fiz algo de mal. Penso que ela não me tenha dito a razão de não ir, porque não queria contar o que se passava. Aceito essa ideia, mas não quero que ela se afaste. Acho que não fiz nada de mal.
Acho tanto e poucas certezas tenho. A única que sei veemente é que gostava que ela fosse!"

Roberta redobra o papel e coloca-o na caixa, não o comentando. Começa a pensar e a achar estranho tal silêncio de Carlos.

Por Portugal, Carlos estava com a cabeça coberta com uma touca verde. Antes de ser anestesiado disse ao médico que já tinha aquelas dores há alguns anos, mas eram intermitentes. O médico sorriu e transmitiu-lhe tranquilidade. O engenheiro logístico tinha-se deixado levar pelo relaxante muscular e tinha fechado os olhos. Estava tão calado. Marcava o relógio 13 horas e 48 minutos. Pelas 15 horas e 32 minutos tinha-se fechado Carlos e este passado para a Unidade de Cuidados Intensivos, ainda intubado. Algo se tinha passado de errado.

A mãe de Carlos é chamada ao hospital e após se inteirar da situação liga para Londres, avisando a funcionária do que se tinha passado. Esta, por sua vez, histérica e aos gritos, corre para Roberta e conta-lhe o que se passou. Roberta responde:

- GREAT!