Depois do café do costume no snack-bar do costume na mesma cidade de frente, acabo por pegar na pasta, e sendo ainda de noite, ponho o carro a trabalhar. Ligo os médios e sigo até ao fim da rua em primeira. Faço pisca. Estava o meu primeiro dia de trabalho a começar. Tinha tido demasiados anos de estudo e após concluir tudo com uma nota muito boa, o carro tinha-se tornado indispensável para o hospital onde tinha conseguido colocação. Levava a minha bata branca no porta bagagens.
Não me fazia diferença levar o meu colega que sempre esteve um ano à frente de mim na faculdade para o trabalho dele: ele ia comigo até à estação do metro e aí apanhava a linha vermelha até ao dito cujo sítioonde trabalhava - assim ele também poupava um pouco no passe e acabávamos por pagar o combustível a meias, o que era muito mais rentável.
Todos os dias, à mesma hora, estacionava o carro, cumprimentava o segurança que fazia o turno da noite no estacionamento e punha o carro no lugar que me era destinado: 123.
Subia as escadas rolantes que eram de rapidez tal que acabava sempre por ficar um pouco atarantado quando chegava ao rés-do-chão. Era aí que trabalhva. Naquele dia, ao analisar a escala de serviço, tinha-me calhado o atendimento ao público. Eu detestava esse trabalho. Apesar de gostar das pessoas, acabo sempre por me emocionar com as doenças dela, porque ao ter tido cadeiras e cadeiras de farmacologia, já me saltavam à vista a maioria das substâncias ativas existentes naquelas prateleiras. Acabava sempre por apertar a mão do paciente ou da paciente e desejar-lhe as melhoras, acompanhado de um sorriso ligeiro, mostrando os dentes esbranquiçados pela lavagem que fazia diariamente quando chegava ao serviço.
O que tornava diferente a viagem de volta era a companhia. Desta vez, normalmente trazia uma colega minha, sempre igual ao que foi desde pequena, apenas tinha tirado sinal que tinha no queixo. Não havia mais nada que ali tivesse mudado. Eu, acabava sempre por ligar o rádio e colocar audível a estação de rádio predefinida com o número 3 em 93.2 MHz. MAs ela acabava sempre por fazer zapping por todo o rádio.
Quando chegava a casa, contava os quilómetos feitos no dia, na tabela própria para sabwer a percentahgem do seguro que tinha de pagar do carro anualmente. Nesse dia, apesar de estar um lindo dia de Sol, este não podia ficar a brilhar no céu 24 horas seguidas. A noite tinha chegado e eu tinha de me conformar com isso. Sim, porque não existe um novo dia sem uma noite, seja ela chuvosa, coberta de luar, ou apenas nublada, sem brilho. Eu, no meio da prede do meu novo quarto, tinha um grande desenho: três pessoas juntas. No fundo era uma fotografia, mas um colega de artes tinha-me desenhado e pintado tais pessoas em tamanho grande na parede.
Nessa noite não me deu vontade para mais nada, senão começar a escrever ao lado do que estava desenhado na parede: adjetivos, metáforas, palavras sem qualquer nexo. O que interessava era relembrar todas as ações e as coisas boas que aqueles dois grandes amigos passaram comigo, ou seja, o rapaz da boleia da manhã e a rapariga da boleia da tarde, ambos com as suas vidas construídas de forma feliz.
Assim o fiz. Uma parede ficou repleta de palavras escritas com tinta de cor preta. Quando acabei, sorri. Ela era forte como a pedra e ele era medroso como um ser humano num sítio onde não se sentia bem pela primeira vez. Esses foram os últimos adjetivos que eu escrevi na parede.
Depois de tudo isso, acabei por derramar algumas lágrimas e fui-me deitar, para que, no dia seguinte, pudesse sem qualquer custo, rotinar a vida normal.
Quando eles saíam do carro, todos os dias, eu dizia: Obrigado! E eles diziam, de seguida, Obrigado! Eram obrigados diferentes, mas iguais ao mesmo tempo.