Tic tac...tic tac... era o barulho que se fazia ouvir no gabinete de uma médica de um hospital da nossa nação. Faltava apenas 5 minutos para o início do dia 9 de Março daquele ano. Competente como é, arruma as suas coisas e apaga a luz do seu gabinete, no sentido de poupar energia. Teria, de seguida, oito horas seguidas de urgências, e depois mais quatro de consultas externas. Não se podia apontar nada àquela pessoa, desde atenciosa a querida, passando pela responsabilidade extrema e pelo carinho efectivo.
Noutra ponta da cidade do hospital vivia um recém-formado em algo relacionado com a Saúde, mas, que, tinha vergonha de admitir o que era. Após três dias de fortes dores de cabeça, dirigiu-se ao hospital, porque já não aguentava tais dores mais, após se ter medicado com ácido acetisalicílico e paracentamol no mês anterior. O sangue tinha deixado de coagular bem, por causa de tais tomas medicamentosas. Por fim, no seu Opel Corsa chega ao hospital e faz o ingresso. Nesta altura, já os procedimentos estavam mudados. Como tinha apresentado o cartão da Ordem em que estava inscrito passou imediatamente para a sala de triagem, onde lhe foi atribuída a sinalização vermelha no braço. Mal saiu da triagem, foi encaminhado para um médico neurologista, e após isto a outro, porque este apenas saia às zero horas e quinze minutos daquele dia. O diagnóstico que o segundo médico continuou, mostrou após a realização de tomografias computorizadas, e por obrigação do médico, de uma ressonância magnética, a existência de massas anómalas no sítio mais inóspito do seu cérebro. O bloco operatório chamava-o. Assim aconteceu. Foi preparado à pressa, assinou todos os papéis que existiam para assinar, inclusive o da não permissão de reanimação mecânica. Ele sentia-se que, se tivesse de morrer, que morresse de forma natural.
Quando olhei para os médicos percebi que, a situação era grave. Não os entendia, porque simplesmente, estava a limpar o chão do corredor onde está o bloco, e ouvia, chama a Drª. tal e o Dr. tal, é uma emergência. Tendo em conta, a pessoa que eu vi entrar, pelo próprio pé para aquele sítio de batas verdes e máscaras na cara, era alguém com cariz, cabeça e que era, possivelmente, bom.
A operação começou e a médica que tinha abandonado o gabinete aos cinco minutos para acabar o seu turno tinha acabado de chegar, neste preciso momento, às urgências. Foi ver a lista, no computador da sala que lhe foi atribuída, e como sempre, atendeu o primeiro paciente de cor verde. Após ter atendido o primeiro doente de tal cor na braçadeira, a médica ouve o burburinho de que estava no bloco alguém que iria ser operado ao cérebro e que tinha dado entrada para a especialidade dela há minutos atrás, e que, lhe tinha sido atribuído a braçadeira vermelha. Àquela hora da noite, alguém com "cor" vermelha, é raro, e ela não ligou. Passou-se cerca de hora e meia entre o momento do burburinho no corredor onde a médica estava a dar consulta e o momento de pausa da médica. Não tinha paciente àquela hora e decidiu ir investigar tal caso, que lhe podia dar à luz daqueles dias, uma ascensão na carreira médica. Dessa forma, ligou o computador, introduziu novamente a sua palavra-passe no sistema informático e investigou. Quando viu o nome do paciente nem acreditou. Pensou primeiramente que seria um erro informático e que tal pessoa não podia estar em tal situação e a sofrer assim. Decidiu então ligar à extensão das Urgências Gerais e questionar se tinha existido algum lapso no sistema informático. Foi-lhe referido que não, porém, a médica contactou o gabinete da triagem, mas a enfermeira que atendeu tal paciente, que, possivelmente tinha o erro informático no sistema, já tinha saído; apenas restava o auxiliar que acompanhou o paciente até ao bloco.
Assim foi, já passada mais uma hora desde a entrada no sistema informático com a sua palavra-passe, a médica fala com auxiliar que confirma que o nome estava correcto e que tal paciente entrou para o bloco pelo seu próprio pé. O coração da médica passou a ter uma pulsação desrrugulada, enquanto que, eu quase adivinhava o sofrimento cardíaco daquele doente. Após ter entrado na área do B.O. a médica verifica que tais roupas não lhe eram estranhas e que, estava quase certa que aquela pessoa era ele. Ao tentar levar-se à pressa para ver a situação da cirurgia, mas não chegou a tempo.
Mal põe a máscara e tem acesso a sala cirúrgica, os colegas abanam-lhe a cabeça como quem diz que foram feitos todos os possíveis, mas que não o conseguiram salvar. Ela tira a máscara e faz a relação completa das coisas. O treme-treme, as dores que ele tivera há alguns anos, os choros, os bateres fortes de coração, as maluquices, o estranhos fetiches, tudo isso foi relacionado naquela altura por ela.
Após isso, e já com a sala sem mais ninguém existe um abraço, aquele, que para ele, já não serviria de nada, porque ele já não pensava, via, nem sequer podia sentir aquela roupa, aquela bata que ele adorava! Porque estava morto. Ela arrependeu-se de tudo do passado. No entanto, para ele tinha sido demasiado tarde. Ela tenta fazer-lhe massagem cardíaca, já bastante desesperada , mantendo a fé em que ele pudesse "reviver". Mas ao ver a assinatura dele, naquele papel que pedia para não ser reanimado, deixou-a fora de si. Foram dados murros no peito dele. De forma a que ele pudesse viver de novo, até que apareceram valores de batimento cardíaco. Mas não suficientes. Apenas quando lhe dava a pancada, ele reagia. Foram precisas horas até cerca das 23 horas do dia 9 de Março para que ela se apercebesse que ele estava definitivamente MORTO. Que poderia ela fazer naquele momento?