Corriam na sala os zuns-zuns de quem seria o substituto do reitor naquela importante homenagem de fim de curso. Mas nenhum estava certo. A cerimónia começa. O professor responsável pelo curso de Medicina começa o seu discurso salientando a importância deste curso para a vida no século XXI e congratulando todos os aqui estavam sentados que tinham acabado o curso, visto que foram anos árduos de trabalho e de dedicação. Ao fim do seu discurso, ouve-se na sala um grande burburinho.
Estava na hora de eu subir ao palco. No entanto, ninguém sabia quem é que iria substituir tal pessoa bastante importante ali. Era simplesmente eu, um jovem que ninguém sabia quem era, que nunca se tinha cruzado com nenhum estudante de Medicina nos corredores de tal faculdade, mas que todos os anos era eleito pela Lista D como representante dos estudantes no Conselho Pedagógico e além disso, em dois deles na Reitoria como Representante do Pessoal Discente.
Ali estava, perante mais de quinhentas pessoas, um rapaz de poucos anos, barba feita, cabelo cortado à pouco tempo, finalista também que iria entregar o prémio a tantos semi-homólogos. Abri convenientemente os olhos e, tentando colocar a voz, comecei:
"Boa noite caríssimos membros da Reitoria da Universidade, membros dos demais departamentos, Exma. Sr.ª Ministra da Saúde, Exmo. Sr. Ministro da Ciência e do Ensino Superior, Caros Alunos, respectivas famílias, é com muito gosto que estou presente nesta cerimónia de entrega de medalhas e diplomas aos nossos futuros anjos brancos. A medicina tem sido sempre um curso de excelência no nosso país. Como todos, tem as suas maleitas, mas nunca se deixou cair como muitos outros cursos. Mais de metade dos alunos inscritos terminam o curso em seis anos. Os restantes em pouco mais. Isto são marcas de excelência no posso pequeno-grande país.
Este ano é especial. Apesar de ser Junho como em todas as entregas, e ter decorrido um ano sem grandes desafinidades culturais e sociais nesta faculdades, este ano marca a entrada de bastantes mais jovens no mundo do trabalho português, através de bolsas, novas vagas em hospitais e ainda possibilidade de sair do país e trabalhar num outro país do mundo à escolha do aluno.(...)"
E eu estava ali, a declamar palavra após palavra perante tais pessoas. Uns médicos com os filhos acabados de formar, outros a chorar porque era a primeira geração da família que era da área médica. Olhava eu para todos os lados, via olhos atentos, caminhos fechados, seguranças por todo o lado e em todo o redor. Por mais que eu quisesse estar calmo não podia. E continuei...
"(...) Além do mais, temos de saber dizer que foi neste ano que foi concluída a transição para o Processo de Bolonha. E não fazendo esperar mais tempo, aqui vai a lista de finalistas:
Adriana Filipa Morgado
Ana Josefa Marques
Ana Maria Ribeiro
(...)
André Sousa Silva
Anamisa Pereira Costa
(...)
Eduardo Mia Nobre
Filipe José Pedro
(...)
Maria Ana Morgado
Maria Beatriz Zorro
Maria Clara Fragoso
Maria do Carmos Feliz
Maria Daniela Sousa
(...)
Tiago Miguel Vaz
Zélia Tomate Saudade
Agradeço que os nomes mencionados subam ao palco e que sorriam para que fique marcado nos registos desta brilhante faculdade, o conjunto de pessoas que terminou o curso neste ano lectivo, através de uma fotografia.
Muito obrigado. Boa sorte para todos."
E assim saí do palanque. E eles, os meus colegas ali ficaram para a fotografia. Deixei o meu lugar e saí. Fechei os olhos e segui pela fila central até à porta. Quando cheguei junto desta fiz adeus. E saí. Fechei a porta sem fazer barulho e depois de vestir a batina sigo para o metro com uma vontade enorme de chegar a casa. E assim foi. Quando cá cheguei, reparei que não fazia mais sentido ter o meu antigo telemóvel desligado, ignorar todos os meus ex-colegas, nem nada disso. Foram seis anos assim. E tudo culminou com uma apresentação pública. E quando o liguei revivi tudo. As preocupações, as saudades, o desejo, o prazer, o choro e o sorriso. No fundo, senti um grande aconchego. Mas continuei. Deitei-me naquela noite e na manhã seguinte, ninguém se tinha lembrado que tinha sido eu a substituir o reitor.
Tinha voltado ao meu trabalho de estagiário, enquanto estava a apertar a bata para entrar no laboratório me cruzo com alguém cheio de livros de Anatomia no ombro. Eu distraído e tal pessoa a ler, poin... Um contra o outro. Apanhei-lhe os livros, sorri e continuei o meu caminho até ao laboratório e sem querer não vi quem era o meu colega ou a minha colega de que ali vinha. O que era esquisito era o facto de que aquela zona era apenas para o meu curso. E não se dava anatomia nem no quinto nem no sexto ano. Era estranho... Mas deu-me vontade para continuar com a pesquisa que estava a fazer. E assim se passou mais um dia...